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De voluntária a campeã: a viagem de Femke Bol, que mesmo a meio-gás é a primeira estrela dos Europeus de pista coberta

A craque neerlandesa decidiu dar algum descanso ao corpo e não competir individualmente em Apeldoorn. Mas, na estafeta mista 4x400 metros, foi decisiva para o ouro dos Países Baixos, fechando assim um caminho que começou quando, ainda adolescente, validava os bilhetes de quem ia aos Europeus de altletismo

Sam Mellish

O mais espantoso de tudo é a facilidade. A estafeta mista 4x400 metros esteve em estreia nuns Europeus de pista coberta e o que impressiona, o que é quase insultuoso, é a tranquilidade com que Femke Bol deu o triunfo à equipa dos Países Baixos.

A Arena Omnisport Apeldoorn encheu-se de expetativa antes da competição que daria a primeira medalha de ouro nos Europeus de pista coberta. Num velódromo feito pista de atletismo — ali ganhou, em 2018, Ivo Oliveira a medalha de prata na perseguição nos Mundiais de ciclismo de pista —, a única final do dia de arranque da competição é uma espera para ver uma craque em ação.

Tudo o que precedeu o arranque de Femke Bol foi como um prólogo. Houve, claro, muito esforço, competição renhida entre neerlandeses, belgas, britânicos e espanhóis. Até que chegou a facilidade.

Quando Femke Bol recebeu o testemunho para os últimos 400 metros, a Bélgica liderava e os Países Baixos estavam rodeados do Reino Unido e da Espanha. Pensavam que a campeã dispararia, triunfalmente, deixando logo uma margem significativa entre si e as adversárias? Não foi assim.

Bol correu com calma, quase parecendo descontraída, sem problemas para ir num ritmo que para as outras era de esforço máximo. Nos últimos 150 metros, com a tal facilidade absurda, acelerou, passando pela belga Helena Ponette com suavidade. Havia ali um contraste entre a velocidade de Femke e a facilidade demonstrada pela neerlandesa, uma proeza feita sem suor aparente.

Do alto dos 1,84 metros de um dos grandes nomes das pistas, os Países Baixos festejaram, em casa, o primeiro ouro dos Europeus indoor. Antes de Femke Bol correram Nick Smidt, Eveline Saalberg e Tony van Diepen.

Para Bol, ser a grande figura do primeiro dia de competição acaba por validar uma decisão que a própria classificou, há algumas semanas, como "difícil". Após o ciclo olímpico que culminou em Paris 2024, onde venceu um ouro, uma prata e um bronze, a atleta de 25 anos decidiu que precisava de "mais algum tempo longe da competição". Desta forma, não participou em qualquer prova da época de pista coberta.

Mas havia uma exceção. "Não posso e não quero perder a oportunidade de estar nos Europeus em casa", confessou, em janeiro, Femke, que apenas se fez à pista para esta estafeta mista.

Analisando as palavras de Femke Bol, entende-se melhor que, em Apeldoorn, aparecesse um fenómeno em gestão de esforço, em contenção. E, mesmo assim, incrivelmente superior às adversárias. Os Países Baixos percorreram a distância com 3,15.63 minutos, a 13 centésimos do recorde da Europa. A prata foi para a Bélgica e o bronze para o Reino Unido.

O apelo irresistível que estes Europeus tinham para Femke Bol relacionava-se, também, com a própria história da neerlandesa. Quando tinha apenas 16 anos, nos Europeus de Amsterdão em 2016, esteve presente na competição como voluntária. A sua função era validar os bilhetes dos espectadores, fazendo scan aos ingressos. "Na altura nunca sonharia chegar até aqui e ter esta sensação fantástica", confessou, depois da cerimónia de pódio em Apeldoorn, a campeã.

Foi a quinta medalha de Bol em Europeus de pista coberta, todas de ouro. Juntam-se às quatro medalhas em Jogos Olímpicos, às quatro em Mundiais ao ar livre, às quatro em Mundiais de pista coberta e às cinco em Europeus ao ar livre. Se calhar deixar o judo, trocando o tatami pelo atletismo quando era criança, foi boa ideia.