Crónica

Todos nós já sentimos vergonha alheia na nossa vida. Ontem, senti pelo senhor Marcel Keizer

Nicolau Santos, presidente do Conselho de Administração Lusa, foi à bola ver o seu Sporting e não gostou do desempenho do seu treinador. Que, no seu entender, devia ser despedido por Varandas, sob pena de o holandês arrastar a equipa, o presidente SCP e o clube para o abismo

PATRICIA DE MELO MOREIRA

Nicolau Santos

Todos nós já tivemos vergonha alheia. Eu ontem à noite, sábado, tive vergonha pelo sr. Marcel Keizer, treinador de futebol do Sporting Clube de Portugal. E tive vergonha porque percebi que o sr. Keizer ou não tem o curso de treinador profissional de futebol ou está a tomar medicamentos que lhe diminuem muitíssimo a capacidade de resposta perante estímulos externos; ou então está a ver muito mal mas insiste em não usar óculos para mostrar os lindos olhos que tem.

Seja o que for, espero que o sr. Keizer tenha feito a sua lenta introspeção interior, tão lenta como a sua capacidade de resposta quando está no banco, mas que tenha chegado à conclusão óbvia: o Sporting perdeu o jogo com o Rio Ave por sua exclusiva responsabilidade.

A equipa não é grande espingarda? Não é. A novela Bruno Fernandes afeta o jogador? Pode afetar – embora não pareça. A novela da saída de Bas Dost afetou toda a gente? Talvez. A vinda não vinda de um avançado deixa toda a nação sportinguista com os nervos em franja? Sim, claro. Mas não foi por isso que perdemos – e perdemos bem, mesmo que com três penaltis marcados contra o Sporting em nossa casa, coisa que nunca aconteceu, como é óbvio, a FC Porto e Benfica (mas nós somos muito bons a bater recordes negativos).

Perdemos bem porque levámos um banho de futebol do Rio Ave de Carlos Carvalhal – e se o Benfica levou um banho do Porto, o nosso foi mais humilhante.

Perdemos bem, porque não jogámos nada. Perdemos bem porque o nosso meio-campo esteve sempre em desvantagem perante os quatro ou cinco meio-campistas do Rio Ave – e o sr. Keizer nunca percebeu isso.

Perdemos bem porque os avançados do Rio Ave conseguiram condicionar sempre a nossa saída com bola desde a área de Renan, restando os chutões para a frente – e o sr. Keizer era para o lado que dormia melhor.

Perdemos bem porque quase nunca tivemos bola – estava sempre com o Rio Ave e nós à rábia, à rábia, e o sr. Keizer a gozar o espetáculo.

Perdemos bem porque mesmo quando fizemos o 2-1, caído do céu, passámos logo a defender o resultado, seguindo as indicações do sr. Keizer.

Perdemos bem porque fomos recuando recuando e estava-se mesmo a ver o que ia acontecer – e o sr. Keizer impávido a observar da linha lateral.

Perdemos bem porque toda a gente via que estávamos a perder completamente o controlo do meio-campo – e o sr. Keizer impávido junto à linha lateral, enquanto Eduardo aquecia, aquecia, aquecia mas nunca entraria.

Perdemos bem quando perante o descalabro anunciado, o imperturbável e impávido sr. Keizer fez a substituição do costume a 20 minutos do fim e já estava 2-2 – saiu o Vietto, entrou o Borja, subiu o Acuña para extremo-esquerdo.

Perdemos bem porque essa substituição continuou sem nos garantir o controlo do meio-campo – e o óbvio ululante é que nunca conseguimos controlar o jogo no meio-campo e por isso nunca tivemos bola para tentar marcar.

Perdemos bem quando já era visível que Raphinha tinha estoirado há muito, mas o Plata só entrou a dois minutos do fim, quando já perdíamos por 3-2 – e o sr. Keizer sempre sereno junto à linha lateral.

Enfim, dr. Varandas, ontem tive vergonha alheia. Pelo sr. Keizer mas sobretudo pelo Sporting. O Sporting não é isto, não pode ser isto. E não me venham falar em jogadores que faltam. O plantel do Rio Ave custa muito menos do que o do Sporting e deu-nos, insisto, um banho de bola.

Mesmo com esta equipa, o Sporting tem obrigação de fazer muito melhor. O problema não são os jogadores. O problema é o modelo de jogo (?), o problema é o treinador. Por isso, dr. Varandas, se ainda não despediu o sr. Keizer já está atrasado. Se ele ficar muito mais tempo não só arrasta o Sporting para uma temporada miserável, como o vai arrastar a si, dr. Varandas. E isso será abrir caminho de novo a algo muito traumático que ficou para trás há muito pouco tempo mas que não desapareceu. E que só espera o seu falhanço para voltar, mesmo que sob outras vestes.