Opinião

Wirtz e Woltemade: dois jovens alemães, dois negócios milionários distintos

Philipp Lahm, antigo capitão da seleção alemã, escreve sobre dois dos jogadores mais caros deste defeso e como a aposta em ambos é tão distinta em matéria de risco

Marvin Ibo Guengoer - GES Sportf

O que deve ser capaz de fazer e provar um futebolista que custa €80 milhões, €100 milhões ou mais? Deve: entre os 17 e 20 anos já ser uma promessa para o futuro, ocupar uma posição clara em campo, ser um dos cinco jogadores mais importantes da equipa, ter um rendimento consistente ao longo de muitos anos, provar o que vale em competições internacionais e ser fisicamente forte. Isto aplica-se a praticamente todos aqueles pelos quais esse valor foi pago: Kylian Mbappé, Neymar, Ronaldo, Erling Haaland, Jude Bellingham, Ousmane Dembélé.

Este verão, dois futebolistas alemães foram para a Premier League por esses valores. Um deles cumpre estes critérios. A carreira de Florian Wirtz tem sido impressionante. Começou a chamar a atenção da indústria do futebol ainda adolescente e era apenas uma questão de tempo até dar o salto.

Aos 17 anos, afirmou-se na Bundesliga e tornou-se imediatamente um jogador de topo. Estreou-se pela seleção alemã aos 18 anos e, aos 20, foi o jogador decisivo no primeiro título de campeão da história do Bayer Leverkusen.

Sempre que entra em campo, percebe-se como Wirtz interpreta o seu papel de número 10. Resolve situações difíceis, cria oportunidades e, como individualista que se coloca ao serviço de todos, é o jogador de equipa ideal. As suas ações e o seu desempenho são extremamente confiáveis tanto para os treinadores como para os colegas de equipa.

Escolheu o seu novo clube por razões desportivas. O Liverpool, campeão inglês, reforçou de forma cirúrgica a sua estável equipa com ele. Demora algum tempo para um jogador se encaixar numa equipa, sobretudo para um jogador que faz a diferença. Nos jogos até agora, observei que Wirtz está a ganhar ritmo e a adaptar-se à intensidade e velocidade da Premier League. Passa a bola cedo, o que lhe dá cada vez mais confiança e permite assumir gradualmente mais riscos.

Assisti com atenção ao Liverpool–Arsenal. Na primeira parte, reparei em Wirtz como jogador de equipa e na segunda parte reparei no seu brilhantismo. Fez passes cirúrgicos, dominou de forma soberba com o pé direito dentro da área e finalizou com o esquerdo. Com ele, a equipa tornou-se mais forte e venceu, tornando as suas qualidades cada vez mais evidentes em Liverpool.

O caso de Nick Woltemade é diferente. Tem 23 anos, um a mais que Wirtz, mas só se tornou titular numa equipa da primeira divisão depois de marcar dois golos frente ao Heidenheim, há cerca de nove meses. Com a mesma idade com que Wirtz conquistou a dobradinha pelo Leverkusen, Woltemade esteve emprestado uma época inteira a uma equipa da terceira divisão.

Não se sabe como vai render na Liga dos Campeões, uma vez que nunca jogou numa competição europeia, pois o VfB Stuttgart não o inscreveu na época passada. Também nunca marcou contra equipas grandes e o seu golo mais importante foi na final da Taça contra o Arminia Bielefeld, uma equipa da terceira divisão.

É um jogador quase sem histórico. No Campeonato Europeu de Sub-21, este verão, foi o melhor marcador – sendo o jogador mais velho da equipa mais velha do torneio. Os melhores jogadores de futebol, como Lamine Yamal, Jude Bellingham, Jamal Musiala e Florian Wirtz, já não participam a esse nível, porque há muito o superaram.

Woltemade é imprevisível em campo. O seu drible, passe e remate não se encontram nos manuais; são únicos a nível internacional. Ao contrário de outros jogadores de topo, o seu centro de gravidade raramente está no centro do movimento. Vive da sua irreverência e autoconfiança, e parece querer reinventar o jogo na posição de número 9.

Mas ainda não desenvolveu consistência ou padrões – nem no primeiro toque, nem no jogo combinado, nem no tempo de impulsão nos cabeceamentos, nem na finalização. Os seus golos não são a consequência lógica de ações e qualidades de excelência. A sua excelência não é repetível. E ainda tem de provar que consegue aguentar cinquenta jogos numa época, porque é alto, mas não é robusto.

Os €85 milhões que o Newcastle United pagou por Woltemade são, assim, uma aposta. Para o jogador, este novo contrato é algo que acontece uma vez na vida. Queria ir para o Bayern e quando outro clube pagou o valor pedido, mudou-se para lá. Os proprietários da Arábia Saudita, bem como a equipa de gestão do clube, são novos neste negócio. Num ambiente de corrida ao ouro, cometem-se erros e acredita-se em milagres.

Essa é a diferença entre as duas transferências. O Liverpool FC quer desenvolver uma equipa vencedora através de uma estratégia de seleção. Em Anfield, ninguém se importa que Wirtz custe €125 milhões em transferências, porque sabem que se trata de um negócio desportivo ao mais alto nível, cujo valor de mercado só é comparável à arte, ao cinema ou à música pop. Já nada tem a ver com a vida associativa ou trabalho voluntário. Quando os investimentos seguem uma estratégia, os adeptos que pagam quotas aceitam-no sem questionar.

Sob a orientação cuidadosa de Arne Slot, algo de muito interessante parece estar a surgir em Liverpool. Algo do qual se quer fazer parte. Compreendo bem porque Wirtz ficou convencido, pois senti o mesmo no Bayern Munique de 2010 a 2017 e na seleção alemã de 2004 a 2014. Ambas as equipas passaram por um processo longo, fortalecendo-se com transferências de jogadores ou a chegada de novos talentos. No fim, a soma foi maior do que as partes.

Essa experiência de comunidade vai acompanhar-me toda a vida. Florian Wirtz pode agora vivenciar algo semelhante, pelo menos ao nível do clube. Será emocionante ver se o Liverpool se tornará uma grande equipa e se ele será a peça final do puzzle. Como adepto, espero que sim e fico feliz por me identificar com isso.