Crónica de Jogo

No Sporting de Gyökeres, Trincão morde e Paulinho mostra os dentes

No arranque da segunda volta, os leões venceram (5-2) em Vizela, na oitava vitória consecutiva. Os minhotos até marcaram primeiro, mas o letal sueco empatou e a dupla de canhotos ex-Sporting de Braga deu continuidade à sua importância recente

MIGUEL RIOPA/Getty

As melhores equipas são como bons elencos de filmes. Possuem, claro, protagonistas, gente que concentra focos e reúne o mais importante da narrativa. Mas contam, também, com atores secundários de qualidade, capazes de aguentar o peso cénico, de acrescentar camadas de complexidade, de levar a obra a ser mais do que as aventuras lineares de uma pessoa.

No Sporting 2023/24, na campanha em que Rúben Amorim assumiu que só haverá êxito se o Marquês de Pombal for o último capítulo da história, há um sueco que é assumido protagonista. Gyökeres chegou no verão com o rótulo de futebolista mais caro da história do clube, demorou 15 minutos para bisar no campeonato e, desde então, tem feito uma época em loop, viciado em correr, rematar e marcar, repetindo o processo quando este termina.

Mas, além do poderoso nórdico, há os tais atores secundários capazes de fornecerem outros tons ao relato, de o tornarem mais estimulante e completo. Paulinho deixou de ser o foco principal do ataque e, sem isso, marca mais do que nunca; Trincão, à boleia da gripe que levou Edwards a perder destaque, está a assumir o seu melhor futebol, digno de um talento que nasceu, ele próprio, para reunir holofotes.

Em Vizela, no reencontro de Gyökeres com a sua primeira vítima em Portugal, a noite foi de protagonistas e atores secundários. O Sporting ganhou (5-2), chegando às oito vitórias consecutivas e entrando na segunda metade do campeonato da melhor forma, fazendo-o à boleia de uma fórmula recente para contornar adversidades.

Depois do 1-0 inaugural para os penúltimos da tabela, Viktor fez o 1-1, abrindo caminho para o destaque que os atores secundários de luxo obtiveram. Paulinho marcou, Trincão marcou e assistiu. E, para fechar, Gyökeres quis deixar claro quem é a estrela da Hollywood verde e branca. São já 22 golos em 25 partidas pelo Sporting.

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O Vizela foi para jogo de corda na garganta, em penúltimo na tabela e apenas com um triunfo nas 13 rondas anteriores a este confronto. Depois de Pablo Villar, técnico desconhecido com incógnitas passagens pela Eslováquia ou Lituânia até aterrar em Portugal, o dono do banco é agora Rúben de la Barrera, outro espanhol com tudo por provar, vindo de um fugaz período na seleção de El Salvador. Após quatro desafios de I Liga, só somou dois pontos.

No entanto, os minhotos entraram a sonhar com roubar pontos ao Sporting, algo inédito na história do clube. Nos 11 confrontos anteriores frente aos lisboetas, o Vizela perdera sempre. Aos 13’, após um livre lateral, o critério de Diogo Nascimento levou a bola para a direita, onde Hugo Oliveira cruzou para Soro. O cabeceamento do espanhol resultou no primeiro golo sofrido pelos leões na meia-hora inicial de um encontro deste campeonato.

Para proteger a vantagem, os locais tentaram defender a vantagem como os especialistas dizem que, em Portugal, se ganham eleições: assegurando o centro, sem se preocupar em demasia com os extremos. Nesse cenário, havia espaço para os cruzamentos de Nuno Santos da esquerda, e foi daí que o quase-Puskas serviu Gyökeres para um lance que parecia ter desfecho certo.

O ex-Coventry tinha a baliza deserta, estando a escassos centímetros do objetivo que tão intensamente persegue. Mas o passe ia forte e Viktor, mais do que fazer um remate, levou com a bola, foi atingido por ela. Qual homenagem a Bryan Ruiz, falhou um golo que parecia certo. Mas, já sabemos, Gyökeres vive em loop, em repetição constante, pelo que o desacerto crasso não beliscou a sua natureza, mantendo-o na missão circular de desmarcar-se, correr, rematar, marcar.

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Ainda antes do 1-1, Trincão, com uma deliciosa assistência, levou Paulinho a bater Buntic. Se o golo do Vizela valeu por 15 centímetros, este foi anulado por 12.

Já no sétimo minuto da compensação, Gyökeres colocou em prática o seu ciclo da vida. Correu, superou Anderson Jesus, disparou. Buntic defendeu, mas a continuação da jogada levou a bola para o sueco. Na área, Hugo Oliveira cometeu o pecado supremo de tentar agarrar-se ao sueco, colando-se ao atacante. Naquela situação, chegar perto é estar longe, porque Viktor protege a bola com o corpo, escondendo-a enquanto roda, tal pivô que poderia estar no Europeu de andebol da Alemanha. 1-1 ao intervalo.

O arranque de segundo tempo foi fulgurante para os visitantes. Logo na primeira ação após o recomeço, Bustamente, entrado para o lugar do lesionado Samu, foi desarmado por Paulinho, que deu em Trincão. O canhoto tentou servir Gyökeres, respeitando a hierarquia entre atores principais e secundários. Mas o guião foi por outro caminho, o ponta-de-lança não tocou na bola e esta entrou diretamente na baliza.

O remate para o 1-1
JOSE COELHO/Lusa

Francisco Trincão, dono de um talento como há poucos, parece um futebolista-interruptor. Liga e desliga, apaga-se e acende-se, conecta-se e desconecta-se. A técnica é precisa, a condução de bola fina, o veneno na canhota é evidente, mas o rapaz que em tempos entrou no maravilhoso mundo do Barcelona tem tendência para desaparecer.

Até janeiro, Trincão só somou um golo e uma assistência. No primeiro mês de 2024, em quatro partidas, leva já três festejos e um passe para golo. Aos 57', fez um cruzamento para Paulinho que poderia ser feito com a mão, tal a precisão do envio, quiçá outra homenagem aos passes feitos no andebol.

Paulinho, outro outrora mal-amado que vive renovado romance com o golo, cabeceou para o 3-1. Os adeptos cantaram a canção do ex-Sporting de Braga, que, em coabitação com Gyökeres, afastou-se da baliza acercando-se dos festejos: são já 13 golos nesta época em que deixou de ser titular absoluto, quando, nas anteriores — como ponto central do ataque verde e branco —, nunca superou os 15.

O Vizela só fez quatro remates em todo o desafio, três deles à baliza. Deu para marcar duas vezes. Aos 63', a velocidade de Essende foi demasiada para Coates, titular pela primeira vez desde 14 de dezembro. O francês já vai em nove golos neste campeonato.

Mas o Sporting já descobrira os caminhos da baliza e a renovada emoção na discussão pelo resultado durou pouco. Aos 72', o capitão redimiu-se e, de cabeça, recolocou a diferença em dois golos.

Nos minutos finais, o clima era de festa lisboeta e resignação minhota. O Sporting segue fulgurante em 2024, viajando ao ritmo de Gyökeres. Foi dele o último festejo dos sete do jogo, num remate potente, expressão fiel do seu jogo, que galopa sem pausas. É o protagonista de um líder que obriga os perseguidores a seguirem ao ritmo que o protagonista sueco define.