Crónica de Jogo

O Pote do talento deu a volta a um problema chamado Famalicão

Com um golo e uma assistência do transmontano, o Sporting venceu no Minho por 2-1. Os da casa marcaram primeiro, mas a equipa de Rui Borges teve capacidade para dar a volta, com Suárez a ter o remate decisivo

O 1-1 de Pote
Eurasia Sport Images

Se Pep Guardiola celebrizou as dificuldades de visitar o agressivo e físico Burnley de Sean Dyche dizendo que eram como uma ida ao dentista, incómoda e dolorosa, ir ao terreno do Famalicão pode ser como deslocar-se a uma exposição internacional de talento. De talento jovem, uma feira de faculdade, cheia de caças-talento.

É o conjunto com menor média de idade da I Liga, habitou-nos a juntar qualidade. Principiou esta jornada à frente dos bicampeões na tabela do campeonato. O Sporting sentiu essa chancela, sofrendo primeiro e vivendo com especial incómodo até ao descanso.

No entanto, os lisboetas combateram talento com talento. Fizeram uso das suas armas do costume, o poder do conhecido. E aí vive Pedro Gonçalves, Pote, já seis temporadas, três campeonatos, muitos golos. Ele chegou a Alvalade, justamente, vindo desta incubadora, deste viveiro, sabe que ali o talento é apreciado.

Para dar a volta à desvantagem, golo de Pote, assistência de Pote. O susto que a equipa de Rui Borges apanhou no Minho passou, ganhando pontos ao Benfica e mantendo os três pontos de desvantagem face ao líder FC Porto.

Em muitos momentos dos últimos o Famalicão assemelhou-se a uma fábrica de unicórnios, um laboratório para desenvolver os possíveis futuros negócios milionários. O dinheiro foi entrando, mas, frequentemente, tendo algum custo desportivo, a instabilidade a ser o lado lunar do talento que chegava e rapidamente ia.

O 2-1 de Suárez
HUGO DELGADO

Para esta época, houve a vontade de transformar a fábrica de unicórnios em projeto de continuidade. Não é tanto ponto de passagem, não é tanto ideia para ser transferida no mais breve prazo, mas algo com mais sustentação e futuro. O treinador manteve-se, várias referências também, a fábrica de unicórnios parece mais capaz de competir no mundo das empresas de verdade.

O grande símbolo desta mutação é Gustavo Sá. Os minhotos têm-no mantido, fizeram do médio que chegou menino ao clube o capitão de equipa, valorizaram-no e tornaram-no referência. Foi o Michael Ballack de Famalicão, no seu futebol de chegada à área e amplitude, o autor do 1-0: na sequência de um canto bem trabalhado na direita, o centrocampista que vive bem perto da baliza cabeceou para bater João Virgínia, titular na ausência de Rui Silva.

Quem aproveitou outra baixa de última hora para também se chegar ao onze foi Quenda. Fez uma nova ala direita com Vagiannidis, que debutava atuando desde o arranque. O craque adolescente arrancou o primeiro tempo a falhar na cara de Carević, principiou o segundo a atirar ao poste e, pelo meio, mostrou a sua visão de jogo privilegiada. Leu a movimentação de Pedro Gonçalves, meteu lá a bola e, isolado, Pote foi Pote, com uma suave trivela por entre as pernas do guarda-redes.

Os locais despediram-se do primeiro tempo com mais um canto vindo da sala de máquinas da startup, com De Haas a ficar perto do golo. Hugo Oliveira, com o seu ar de chefe de IT, aplaudia, mas a segunda parte do Famalicão foi bem pior, não conseguindo incomodar os visitantes com a mesma frequência e qualidade.

HUGO DELGADO

Quenda, no poste, criou perigo logo no recomeço. Mas não restam dúvidas de onde está o núcleo criador deste Sporting, onde está a regularidade, o rendimento constante. Pote e Trincão, Trincão e Pote. Quanto custaria ao Sporting contratar um Trincão e um Pote?

Os dois internacionais portugueses estiveram na génese do 2-1. A ação ganhou contornos confusos, mas Pote fugiu do ruído para ganhar claridade. Assistiu Luis Suárez, que depois do póquer com a Colômbia manteve-se de pontaria finada.

Pouco depois, o momento em que o rumor finalmente se concretizou. Ver Fotis Ioannidis estrear-se pelo Sporting foi quase como ver uma obra eternamente a ser construída em inauguração. Foi mais de um ano de namoro finalmente a dar em casamento. Jogou alguns minutos em parceria com Suárez, descaindo para a esquerda.

O desafio, bem disputado e competitivo, chegou ao final com incerteza. O Famalicão foi perdendo precisão e não teve nenhuma oportunidade de golo para o 2-2. Se o encontro era de talento jovem, o Sporting acabou lançando talento jovem. João Simões entrou e ia marcando numa jogada à Redondo, Eduardo Quaresma também debutou na época cheio de vontade. À atenção de Rui Borges.