Crónica de Jogo

Na estreia europeia, o FC Porto sofreu com o custo de vida no estrangeiro

O FC Porto tentou dominar na Liga Europa da mesma maneira que tem feito em Portugal. Contra um RB Salzburgo igualmente hiperativo, os dragões precisavam de subir de nível, o que não aconteceu. Ainda assim, no braço de ferro, pode nem sempre ganhar quem tem mais força. Pode simplesmente ganhar quem tem William Gomes (0-1)

Sebastian Widmann - UEFA

FC Porto, Áustria e Europa são tudo células do mesmo tecido lexical, palavras com livre-trânsito de umas para as outras, uma imagética familiar. No entanto, esta equipa carece de quem jogue um futebol versátil e, de vez em quando, ative a mesma dimensão que fez Madjer pensar que marcar de calcanhar na final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, em 1987, era uma boa ideia.

Pode-se chamar ao RB Salzburgo um FC Porto da Áustria ou ao FC Porto um RB Salzburgo de Portugal. No respeito pela vertigem como primeiro mandamento, assemelham-se. Foi por isso mesmo que a equipa de maratonistas dos dragões se deu mal quando, na estreia na Liga Europa, encontrou alguém com igual vitalidade. Aquilo que serve para espezinhar adversários em Portugal, não serviu para ser superior ao quarto classificado do campeonato das terras de Mozart.

Nada nas opções de Farioli suscitou menosprezo pela competição em disputa. O líder do campeonato podia estar de férias, mas o FC Porto tinha a invencibilidade para defender na estreia europeia. Do ponto de vista pragmático conseguiu fazê-lo, mas sem dar o passo em frente necessário em alguém para o qual são atiradas algumas hipóteses de chegar à final.

Adam Pretty

Desde logo, se percebeu que a fluidez era pouca. Para fazer um diagnóstico à construção do FC Porto, Diogo Costa pôs-se operacional. A camisola amarela quase na linha do meio-campo não era do árbitro, mas sim do ousado guarda-redes. Zaidu, na segunda titularidade da época, tendia a espremer-se para o espaço interior. Com a região entre linhas bloqueada por cancelas, houve pés menos pacientes que caíram na tentação de procurar bolas longas nas costas da defesa.

A equipa de Thomas Letsch mantinha a compostura, repousando na zona onde os hemisférios do campo se dividem. Os lapsos do FC Porto acabavam por cair dentro da cerca que o RB Salzburgo montava. Depois, ateando Kerim Alajbegovic, chegavam com poucos toques à baliza contrária.

A distância entre Borja Sainz, aberto em fase ofensiva, e Zaidu desfalcou o FC Porto assim que Moussa Yeo foi descoberto a cirandar por lá. Na sequência, o remate de Petar Ratkov foi amortecido por Diogo Costa e aliviado por Kiwior.

Para que os flashes do RB Salzburgo não causassem piores danos, o FC Porto abrandou a circulação. Os dragões claramente não se dão bem num clima ameno. Quando são forçados a pausar o ritmo julgam-se amordaçados. A hipótese de conseguir vitórias nas competições internas fazendo valer a capacidade física esbate-se quando, na Europa, encontra adversários que se equiparam nesse capítulo.

Aquilo que parece ser valioso em qualquer contexto é o utilitarismo nas bolas paradas. Na falta de avidez em ataque posicional, o FC Porto controla através de drones o sítio exato onde vai colocar a bola de modo a espantar laivos de falta de criatividade. Borja Sainz, logo aos dois minutos, acertou na barra. Mais tarde, Victor Froholdt desviou ao primeiro poste um canto em que Jan Bednarek conseguiu marcar. O toque de Samu com a mão desfez a euforia.

Hans Peter Lottermoser

Em matéria de golos anulados, o RB Salzburgo nivelou o assunto. Assim que Farioli trocou os dois laterais, colocando Martim Fernandes e Francisco Moura, e num momento em que até defendia com uma linha de cinco defesas, Borja Sainz errou por completo o timing de pressão. O central Joane Gadou conduziu e lançou um Ratkov em posição irregular.

As entradas de Rodrigo Mora e William Gomes pensar-se-ia serem ofensivas. No entanto, a alteração de sistema tático não caiu nada bem. Um FC Porto que já estava envergonhado, ainda mais acanhado ficou.

Farioli pode ter preferência por jogadores que usem o fato de macaco, mas talvez tenha que engolir os preconceitos. Ter gente como William Gomes dentro do campo é uma candidatura automática a que se possam conseguir vitórias com menor dose de merecimento. O risco emprestado pelo brasileiro fê-lo, como no clássico em Alvalade, procurar o remate de pé esquerdo. A colocação não foi perfeita. De qualquer modo, a imprevisibilidade forçou um erro de cálculo de Alexander Schlager, cujo poder telepático se revelou um fiasco.

William Gomes foi anti-Farioli e, graças a isso, ninguém se vai lembrar que Vertessen podia ter desfeito o pleno de vitórias momentos antes do FC Porto conseguir a vantagem (1-0) que acabou por segurar. Nos braços de ferro, nem sempre ganha aquele com mais força.