Era perto da meia-noite de sexta-feira na Europa ocidental quando a FIFA publicou os relatórios de avaliação das candidaturas aos Mundiais de 2030 e 2034. Talvez a hora, incógnita, dormente, disfarçada, fosse a derradeira homenagem ao processo que, estrategicamente, levou a maior competição desportiva do planeta para a catrefada de países que o receberá em 2030 (Portugal, Espanha, Marrocos, Uruguai, Argentina, Paraguai) e para a Arábia Saudita, quatro anos depois.
Um jogo de tabuleiro protagonizado nos bastidores, cujo imprevisível e inesperado desfecho está para breve. Candidaturas em disputa para 2030: uma. Candidaturas em disputa para 2034: uma. Viva o pluralismo.
Mas não sejamos eurocêntricos. O futebol é o grande jogo global e que seja meia-noite de sexta-feira na Europa ocidental não significa que não sejam horas mais apelativas ao escrutínio noutros pontos do planeta. Eram três da manhã em Riade, eram nove da noite de sexta-feira em Buenos Aires.
O documento da avaliação das candidaturas cumpria o fundamental requisito de ajudar a calcular um voto que não será um voto nem terá de ser calculado. Como se sabe, não haverá propriamente uma eleição dos países que acolherão os Mundiais: a 11 de dezembro, teremos um congresso virtual da FIFA, no qual haverá a “aclamação por confirmação” dos anfitriões de 2030 e 2034. A coisa será feita em conjunto, por atacado, pelo que, se alguém for contra o Mundial saudita, também terá de manifestar-se contra o Mundial da catrefada de países. O voto não será um voto, será um levantar de braço numa janelinha do Zoom. Democracia, pois claro.
“Aclamação por confirmação”. É preciso dar mérito à FIFA, que consegue sempre encontrar novos mínimos de decência. Já não bastava mover os tabuleiros das candidaturas para que só houvesse uma para cada competição, evitando o escrutínio, o debate, a investigação — há ainda muito trauma dos processos que levaram a 2018 e 2022, os quais ajudaram a destapar a corrupção no topo da bola. Agora, faz-se uma votação que não é uma votação, é um mero aplauso conjunto via Zoom.
Enviam-se relatórios de avaliação de madrugada, fazem-se aclamações por videochamada. Debater para quê? Afinal de contas, o último Mundial correspondeu apenas a 83% dos mais de €7 mil milhões em receitas que a FIFA fez entre 2019 e 2022. É pouco dinheiro, não vamos perder tempo a analisar para onde vai.
Ainda se houvesse coisas graves que debater. Mas não, não há nada, mantemo-nos nesta democracia de aplauso virtual, liderada por Infantino, o amigo de Putin, o parceiro dos líderes autoritários, o apoiante de Mohammad bin Salman.
Como explicado pelo Diogo Pombo, o relatório enviado de madrugada dá à candidatura saudita para 2034 uma pontuação de 4.2, a maior alguma vez atribuída a uma proposta para um Mundial, numa escala de zero a cinco. Há aspetos verdadeiramente impressionantes, como considerar uma competição na qual serão construídos oito mega estádios num país que não os consegue encher como tendo “baixo risco” ambiental.
O Al-Ahli, o Al-Hilal, o Al-Ittihad e o Al-Nassr tiveram assistências médias que, em 2023/24, andaram entre os 24 e os 17 mil espectadores por emblema. Tirando os quatro maiores clubes sauditas, mais nenhum teve uma média acima das 10 mil pessoas por encontro. Vamos então construir mais oito estádios gigantes.
Mas, bem, isto é a FIFA, e nada disto seria preocupante se não fosse a mesma FIFA que, num relatório, escreveu ter “a responsabilidade” de pagar indemnizações aos trabalhadores que sofreram danos nas construções do Mundial 2022 (sim, aquela competição distante manchada a sangue). Essa mesma FIFA ignorou-se a si própria, aplicando os fundos de €50 milhões, que poderiam ir para esses trabalhadores, para projetos de “desenvolvimento do futebol”.
Nada disto seria preocupante se entidades como a Amnistia Internacional não andassem a gritar, com avisos não escutados, para os riscos humanos do Mundial 2034. Um relatório diz que o torneio deveria ser “imediatamente cancelado” para evitar “abusos e mortes que são inevitáveis tendo em conta o atual leque de práticas” na Arábia Saudita.
Qual “leque de práticas”? Bem, um sindicato que representa 18 milhões de trabalhadores africanos da construção civil fez, recentemente, uma queixa nas Nações Unidas contra as condições laborais na Arábia Saudita, relatando um “ciclo de abusos e exploração diários” para os migrantes no país. Um documentário da ITV diz que, desde abril de 2016, morreram 21.000 trabalhadores do Nepal, Bangladesh e Índia na Arábia Saudita, todos envolvidos nas construções dos projetos megalómanos ao abrigo do programa “Visão 2030” que existe no país.
Nada disto seria preocupante se se tratasse apenas de decidir onde é que um conjunto de seleções iriam disputar alguns jogos de futebol durante algumas semanas. Mas esses jogos de futebol implicam construir oito estádios, implicam, no caso saudita, até construir uma cidade, erguer uma rede de infra-estruturas. Olhando para o histórico do país — e para a tragédia chamada Catar 2022 —, podemos escrever que há aqui um crime em construção. A FIFA dá, sem qualquer processo democrático subjacente, o contexto perfeito para mais um Mundial com cheiro a morte. Nem de propósito, a mascote do último já foi um fantasma, talvez para atormentar quem é responsável por estes crimes.
A juntar uma camada de crime ao crime está a reiteração. Não estamos em caminhos novos, não estamos em águas não navegadas. Conhecemos o trajeto, conhecemos as desculpas, conhecemos os processos. O Catar foi o último Mundial e parece que o estamos a reviver, mas em maior escala: com 48 seleções e não 32, com 15 estádios e não oito, sem democracia de todo para eleger o anfitrião, em vez de termos uma farsa democrática.
A FairSquare, ONG que trabalha sobre direitos humanos e desporto, publicou um estudo sobre as atividades da FIFA, concluindo que a entidade máxima do futebol é co-responsável por “uma série de danos sociais e de abusos e atropelos sistemáticos aos direitos humanos”.
E lá vem o Mundial 2034 para a Arábia Saudita, país acusado pela Human Rights Watch ou a Amnistia Internacional de executar dissidentes, prender críticos, torturar detidos, perseguir pessoas LGBT+ ou impor limitações aos direitos das mulheres. No tal relatório noturno, a FIFA vê na atribuição do Mundial um “catalisador para desenvolvimentos positivos”. Temos razões para acreditar: o Mundial 2018 foi para a Rússia e serviu como catalisador para Vladimir Putin desenvolver a invasão da Ucrânia. O Mundial 2022 foi para o Catar e serviu de catalisador para o país continuar a ser palco de histórias envolvendo a detenção e perseguição de homossexuais.
Felizmente teremos um congresso da FIFA para a semana, ocasião que, historicamente, servia para fazer perguntas aos presidentes em conferências de imprensa. Ah, espera, o congresso é virtual, longínquo, e Gianni Infantino não dá uma conferência de imprensa desde março de 2023.
Podemos, então, entender como faz todo o sentido enviar relatórios de madrugada. Pela calada da noite, em homenagem a esta democracia do silêncio. Levantem-se, do alto desta videochamada, para aplaudir, em conjunto, os Mundiais 2030 e 2034.
O que se passou
Pela primeira vez no campeonato, o Sporting perdeu. E foi logo na estreia de João Pereira na I Liga, frente ao Santa Clara. O Benfica aproveitou, vencendo em Arouca e reduzindo a distância para o topo.
A semana europeia ditou o agravar da crise do FC Porto, com o quarto encontro seguido sem vencer. O Sporting foi goleado contra o Arsenal e o Benfica, de forma épica, foi ganhar ao Mónaco.
Há mais um português campeão da América do Sul. É Artur Jorge, que quebrou a maldição do Botafogo, como conta o Diogo Pombo.
O Francisco Martins esteve em Manchester, contando a estreia de Ruben Amorim em Old Trafford. Há a consciência de que o processo de crescimento demorará tempo, mas a segunda partida na Premier League já evidenciou notas mais positivas, goleando o Everton. Já do outro lado mancuniano, o City não sai da crise, perdendo contra o super Liverpool de Slot.
É mais um escândalo de doping a abalar o ténis. Iga Swiatek foi suspensa, mas só um mês. A Lídia Paralta Gomes traz-lhe todo o contexto da situação da polaca, já criticada por alguns companheiros de profissão.
Rosa Mota tem 66 anos, ainda corre e ganha minimaratonas. E ganhou a de Macau, outra vez.
A mudança nas camisolas de Portugal é oficial, passando para a Puma. O Diogo Pombo falou com o CEO da marca eternamente associada a Eusébio que equipará Cristiano Ronaldo.
Alisher Usmanov, oligarca pró-Putin, regressou ao comando da federação internacional de esgrima. O bilionário está proibido de entrar em 38 países, incluindo a Suíça, onde a entidade está sediada.
Zona mista
“Foram duas derrotas, nada vai abalar o nosso espírito. Sinto plenamente que vamos dar a volta e que vamos dar uma resposta à altura".
João Pereira não está a ter um começo fácil no Sporting. Depois da goleada sofrida contra o Arsenal, caiu em casa contra o Santa Clara. A herança era pesada, mas a primeira imagem da sua equipa é uma espécie de antítese do conjunto de Ruben Amorim: um coletivo sem ideias, desconfiado de si próprio, com pouca confiança, que passou, subitamente, de estado de graça para estado de dúvida. E eis que o “temos de levantar a cabeça” voltou a Alvalade.
O que aí vem
Segunda-feira, 2 de dezembro
⚽ A jornada 12 da I Liga fecha com um FC Porto-Casa Pia de alta pressão para Vítor Bruno (20h45, Sport TV1). Antes, o Vitória SC recebe o Gil Vicente (18h45, Sport TV2)
⚽ Em Espanha, Sevilla-Osasuna (20h00, DAZN1) e, em Itália, Roma-Atalanta (19h45, Sport TV3)
🤾🏼♀️ O Europeu de andebol feminino: Portugal-França (19h30, RTP2), o último jogo da seleção nacional, que já está eliminada, na prova
Terça-feira, 3
⚽ Jogo decisivo para Portugal, com a segunda mão da eliminatória contra a Chéquia, no apuramento para o Euro 2025 (16h45, RTP1)
⚽ Na Premier League, Ipswich-Crystal Palace (19h30, DAZN3) e Leicester-West Ham (20h15, DAZN2), na estreia de Ruud van Nistelrooy ao comando dos foxes
⚽ Há jogo na La Liga, com a deslocação do Barcelona a Maiorca (18h00, DAZN2). Na Taça da Alemanha, há duelo grande: Bayern-Bayer Leverkusen (19h45, DAZN1)
⛷️🔫 É fã dos desportos de inverno? Taça do Mundo de Biatlo, em Kontiolahti, na Finlândia (15h05, Eurosport 1)
🏀 Na NBA, Minnesota Timberwolves-LA Lakers (01h00, Sport TV1)
Quarta-feira, 4
⚽ Ruben Amorim disputa o seu primeiro clássico em Inglaterra, com o Manchester United a visitar o Arsenal (20h15, DAZN1). Há também um Manchester City-Nottingham Forest, com a incógnita de saber se os homens de Pep vencem sete jogos depois (19h30, DAZN2), ou Newcastle-Liverpool (19h30, DAZN3)
⚽ La Liga: Athletic-Real Madrid (20h00, DAZN3)
🤾🏼♀️ Há clássico no andebol: FC Porto-Benfica (20h30, Porto Canal)
Quinta-feira, 5
⚽ Por estranho que pareça, há I Liga, com o Moreirense a receber o Sporting (20h15, Sport TV1)
⚽ Liga de futsal: Sporting-Lusitânia dos Açores (21h00, Canal 11)
🏀 Euroliga: Real Madrid-Fenerbahçe (19h45, Sport TV6)
Sexta-feira, 6
⚽ A jornada 13 da I Liga prossegue com o SC Braga-Estoril (20h15, Sport TV1)
⛷️ Taça do Mundo de esqui de fundo em Lillehammer, na Noruega (11h30, Eurosport 1). Também no frio, Taça do Mundo de esqui alpino em Beaver Creek, no Colorado (18h00, Eurosport 1)
🚴 A Liga dos Campeões de ciclismo de pista chega a Londres (20h00, Eurosport 1)
🏁 O Mundial de Fórmula 1 fecha com o GP Abu Dhabi. Sexta são os treinos livres (9h30, Sport TV4)
Sábado, 7
⚽ Dia movimentado na I Liga: Gil Vicente-Nacional (15h30, Sport TV1), Benfica-Vitória SC (18h00, BTV), Santa Clara-Rio Ave (19h00, Sport TV2) e Famalicão-FC Porto (20h30, Sport TV1)
⚽ Na Premier League, há dérbi de Liverpool em casa do Everton, às 12h30 (DAZN1), visita do City ao terreno do Palace (15h00, DAZN1) e o Manchester United recebe o Nottingham Forest (17h30, DAZN1). Na La Liga, Betis-Barcelona (15h15, DAZN2) e Girona-Real Madrid (20h00, DAZN1) e, na Serie A, Juventus-Bologna (17h00, Sport TV3)
🏁 GP Abu Dhabi, qualificação (14h00, Sport TV4)
🏀 Os Boston Celtics de Neemias Queta contra os Milwaukee Bucks (00h30, Sport TV1)
Domingo, 8
⚽ Na I Liga, Boavista-Farense (15h30, Sport TV1) e Casa Pia-AFS (18h00, Sport TV1)
⚽ Dérbis de Londres em dose dupla: Fulham-Arsenal (14h00, DAZN1) e Tottenham-Chelsea (16h30, DAZN1). Em Espanha, Atlético de Madrid-Sevilla (20h00, DAZN1) e, na Serie A, há confronto entre equipas da parte alta da tabela, com Nápoles-Lazio (19h45, Sport TV3)
🏁GP Abu Dhabi, corrida (13h00, Sport TV4)
🏀 Brooklyn Nets-Milwaukee Bucks (20h30, Sport TV2) e Orlando Magic-Phoenix Suns (23h30, Sport TV2)
🏒 Liga de hóquei em patins: Valongo-Oliveirense (17h00, DAZN3)
🏈 NFL: Bears-49Ers (21h25, DAZN2)
Hoje deu-nos para isto
Alfredina Silva lembra-se do “sentimento de injustiça muito grande”. Ela, juntamente com outras pioneiras, participou no primeiro jogo da seleção nacional feminina, em 1981, num amigável em Le Mans contra a França. No entanto, pouco depois, em 1983, a equipa deixou de jogar.
Entre 1983 e 1993, a seleção feminina não teve atividade. Foi como um sonho de criança suspenso, marca de um tempo, não muito distante, em que a bola era coisa de homens. Em 2023, ao Expresso, Alfredina lembrou a raiva que tal hiato causou, em contraste com a seleção masculina, em atividade contínua desde 1921.
Em 2024, muito é diferente. Os últimos anos foram cenário de uma revolução no futebol jogado por mulheres em Portugal, um processo contínuo, passo a passo, em que cada uma faz o seu bocadinho para a mudança. Mas, neste processo, há passos maiores que outros. Um deles foi dado sexta-feira passada, com o grande recorde que se registou no Estádio do Dragão. Aquelas 40.189 pessoas foram, de longe, a maior moldura humana que já se registou num encontro de futebol feminino em Portugal.
O resultado não foi o desejado, com um empate que, como escreveu a Lídia Paralta Gomes, deixa a seleção num limbo. A evolução do futebol jogado por mulheres também nos obriga a não sermos condescendentes: se em 2017 estar no Europeu foi visto como um feito, se em 2023 ir ao Mundial foi quase uma epopeia, agora ir ao Europeu seria ‘só’ cumprir um objetivo. É uma meta a alcançar, não um sonho distante.
Que se traga, amanhã (16h45, RTP1), a desejada vitória da Chéquia. Que sintomático é que todos os grandes triunfos do futebol jogado por mulheres em Portugal tenham de ser arrancados lá longe: o play-off na Roménia para estar no primeiro Europeu, o penálti de Carole Costa na Nova Zelândia para a estreia no Mundial, o jogo de amanhã na Chéquia. A estreia em Le Mans, em 1981. Tudo começou com Alfredina e as outras pioneiras, tudo continua com Kika e as autoras desta bonita revolução que, esperamos, marcarão presença na quarta grande competição em oito anos.
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