Modalidades

Parabéns? Só quando faz anos: Isaac Nader, o atleta que aprendeu na escola a ser um campeão

Para se fixar no atletismo, Isaac Nader teve que resistir a "tentações", uma delas o futebol, onde o pai se destacou. Antigos treinadores dizem que o título mundial nos 1.500 metros “calou muita gente”. Em pequeno, quando dominava os campeonatos escolares, já se via que "era um bicho". No entanto, mantém-se "humilde e discreto"

Daniela Porcelli

O campeão do mundo dos 1.500 metros, o português Isaac Nader, já mostrava em menino a dedicação, o trabalho e a humildade que o colocaram no topo, segundo vários treinadores que o marcaram nesse percurso.

Marco Lívio Gonçalves descobriu o agora campeão mundial de atletismo na Escola Básica Dr. José Neves Júnior, em Faro, porque o filho era colega de escola da mais recente ‘estrela’ do desporto nacional.

Quando Nader estava no quarto ano, impôs-se no corta-mato, primeiro na sua escola, e, depois, a nível regional, “ante 200 ou 300 meninos do Algarve”.

“Começou a trabalhar comigo no atletismo de iniciação e, no dia a dia, e nos treinos deu para perceber que era um talento único”, conta Marco Lívio Gonçalves à Lusa.

Responsável por detetar o maior talento que já treinou, e por encorajar a prática do atletismo em detrimento de outras 'tentações', foi professor de Educação Física do atleta, no segundo ciclo, e acompanhou-o no atletismo, numa fase em que ainda experimentava o futebol que celebrizou o pai e o tio, no Farense.

E foi neste contexto escolar que somou a primeira medalha internacional, ao vencer os 3.000 metros nos Jogos FISEC de 2015, em Malta, numa fase da vida em que já mostrava as características que hoje o perfilam – “era um jovem bastante humilde, discreto, até quando já tinha algum currículo no desporto escolar nacional”.

Rui Costa, diretor técnico da Associação de Atletismo do Algarve, confirma à Lusa estes traços de um ‘miúdo’ que já ficava “muito orgulhoso” de representar as escolas, o que fará quando começou a competir por Portugal, mantendo sempre a ligação à comunidade farense.

“As aptidões para o atletismo do Isaac eram muito vincadas, e via-se que ele era um ‘bicho’. Era um atleta de eleição, chegava para treinar e queria absorver tudo o que lhe pediam. Tinha características físicas inatas”, lembra, por sua vez, o atual treinador adjunto dos sub-23 do Farense.

Hugo Costa recorda, à Lusa, que Nader “era um excelente futebolista”, como extremo direito, com a velocidade e resistência como pontos fortes, mas toda a gente percebia “que ia ser diferenciado no atletismo”, em vez de uma carreira menos recheada de pontos altos no futebol.

“É um grande orgulho, é um homem com ‘H’ grande. Tanto ele como outro dos irmãos, são miúdos fabulosos e muito bem vistos na comunidade farense. Cresceram a treinar no meio da cidade. É um orgulho ver estes atletas crescer no panorama mundial, e o Isaac merece”, conta Hugo Costa.

Atualmente embaixador de uma unidade de apoio ao alto rendimento nas escolas (UAARE) no Agrupamento de Escolas Pinheiro e Rosa, foi mantendo a ligação a Faro e às suas raízes, onde já era “o primeiro a chegar e possivelmente o último a sair” do treino, levando Hugo Costa a compará-lo a Cristiano Ronaldo.

Nader passou pelo Faro XXI, até 2014, e depois pelo Areias São João, em 2015 e 2016, numa ascensão sustentada, e progressiva, até chegar ao Benfica, que representa desde 2017, como o tio, Hassan Nader, uma ‘lenda’ do Farense que também ‘brilhou’ nas ‘águias’.

Filipe Canário treinou o campeão do mundo dos 1.500 metros e, na verdade, ainda mantém contacto próximo com o atleta que entretanto se mudou para Espanha com a namorada, a também meio-fundista consagrada Salomé Afonso.

Já na altura, diz à Lusa, via que Nader “ia ser um dos melhores do mundo”, pelas suas “qualidades, pela forma de correr e a forma de estar, como encarava a corrida”, pela dedicação extrema, vontade de aprender e capacidade de trabalho, e em juvenil já conseguia mínimos para ir aos Nacionais de seniores.

“Nós ainda hoje temos uma relação. Quando ele me liga e goza comigo, é porque está bem. Quando está muito sério, é porque se passa qualquer coisa”, brinca.

Quanto ao humor de um atleta por vezes considerado demasiado ‘duro’ ou ‘fechado’ no trato social, mas a quem todos gabam a simpatia e boa disposição, recorda-se de uma brincadeira recorrente entre os dois.

“Eu dizia-lhe muitas vezes: ‘parabéns’. E ele: ‘parabéns porquê, se não faço anos?’. Ele é assim duro. (...) [Depois de ganhar o ouro] ligou-me e perguntou se não tinha nada para lhe dizer. E eu disse que ele não fazia anos. Mas disse-lhe que merecia mais que os parabéns. Sempre acreditei no seu valor”, refere.

Canário considera que o novo campeão “calou muita gente”, e lembra muitos anos em que foi criticado por deixar o pupilo “mal disposto, a vomitar”, dado o esforço, numa relação próxima que se vai mantendo.

Outra referência constante entre quem o conhece é ao ‘sonho’ de ser campeão olímpico, uma ‘obsessão’ que guia Nader, um farense de 26 anos que já será, diz Marco Lívio Gonçalves, “o melhor do Algarve” em termos históricos.

O ‘menino’, apoiado incondicionalmente pela mãe, defensora devota e que impulsionou a paixão pela competição, que treinava pelas ruas de Faro e que nem sempre teve um crescimento ‘fácil’, segundo lembra quem com ele privou, e se tornou referência na comunidade venceu o ouro nos 1.500 metros dos Mundiais de atletismo Tóquio2025, que hoje terminam na capital japonesa.