A aura não evita que o adversário marque nos descontos. A fama não impede a arte de André Luiz. O hype não faz revoluções.
A I Liga é mais interessante com José Mourinho. É mais divertido acompanhar o Benfica com José Mourinho. Mas, por muito que as horas de diretos nos tirem a noção do tempo, nem uma semana passou. O setubalense, entre jogos e viagens, poucas horas de treinos tem. Não há milagres.
Se o Benfica, há uma semana, sofria em ataque posicional, é normal que continue a sofrer. E sofreu. Se o Benfica, há uma semana, sofria diversas vezes golos no fim das partidas, fosse contra o Santa Clara, o Qarabag, o Arouca ou o Sporting, é normal que continue a sofrer.
Assim foi. 1-1 com o Rio Ave, duas rondas seguidas a perder pontos em casa, três jogos consecutivos sem ganhar na Luz. Muitas dificuldades até entrar Lukebakio, a outra diferença face ao outro Benfica. O belga agitou e agitou, fez do jogo que não tinha dribles uma sucessão de dribles. Criou o 1-0, autoria de Sudakov, mas havia a magia de André Luiz, saído do banco para o momento de magia que decidiu o resultado final. O Sporting fica a um ponto e o FC Porto a quatro.
A estreia de José Mourinho na nova Luz enquanto treinador do Benfica foi abraçada com fervor pelo público, caloroso a aplaudir o técnico nos minutos que precederam o apito inicial. Antes da entrada em campo, não era preciso possuir dons de adivinhação para saber onde sentar-se-ia o setubalense: bastava olhar para onde estava o batalhão de fotógrafos, que aguardavam como um bando de gaivotas que aguarda pela chegada do peixe graúdo.
Blazer impecável, camisa branca perfeita, pele sem marcas das mais de seis décadas de vida, Mou colocou-se na linha lateral observador, expectante, farejando o ambiente. Do outro lado estava um clube marcante para o seu pai, que orientou os vila-condenses em 106 jogos e os levou ao marcante quinto lugar em 1981/82 e à final da Taça em 1983/84.
O Mourinho expectante durou poucos minutos. Foi o tempo necessário para perceber que o Benfica entrou amorfo no jogo, ritmo baixo e criatividade escassa, com uma circulação emperrada, como um cano pelo qual a água não fluía. Aos 21', após uma boa saída dos visitantes que culminou num remate defendido sem dificuldade por Trubin, a Luz ensaiou tímidos assobios e Mourinho protestou com a sua equipa, reclamações que rapidamente alagar-se-iam, também, à equipa de arbitragem.
Foi uma noite de hiperatividade Mourinhista, andando de um lado para o outro na área técnica, protestando faltas, protestando contra o VAR, protestando contra a equipa técnica, protestando contra a própria equipa, indo buscar bola para reiniciar o jogo rapidamente.
Um lance de Dahl aos 18' resumiu a primeira meia-hora das águias. O sueco recebeu numa posição que poderia levar algum perigo para Miszta, mas atrapalhou-se com a bola, que lhe foi para o meio das pernas, levando o canhoto a andar à procura dela, parecendo uma criança sem grande noção de coordenação a tentar agarrar um brinquedo.
Aos 28', num lance de confusão helénica entre Pavlidis e Vrousai, o Benfica teve a primeira oportunidade de golo da noite, tendo a segunda surgido mesmo antes do intervalo, numa finalização ao lado de Aursnes. Vrousai, grego, é um dos 11 estrangeiros do onze do Rio Ave, que foi a jogo com futebolistas de nove nacionalidades diferentes, com Grécia, Polónia, Inglaterra, Costa Rica, Espanha, Alemanha, Argentina, Chéquia e Cróacia representadas. Do banco saíram, ao longo da partida, dois brasileiros, dois gregos e um húngaro. Nenhum português.
Chegado à Luz sem triunfos, o projeto C de Marinakis mostrou uma versão melhor do que se tem visto, mais capaz de ligar passes, de afastar a pressão dos encarnados e, durante boa parte do desafio, limitar os ataques dos da casa. Apesar de começar com Clayton, o goleador do campeonato, e André Luiz, agitador-mor, no banco, o Rio Ave soube incomodar o favorito que visitava, ficando a lamentar a má decisão de Aguilera num três contra um após o descanso.
Perante a falta de ideias à frente, foram os de trás a tentar empurrar a equipa. Aos 60', Otamendi batalhou por uma bola e cruzou para António Silva, que atirou para o 1-0. Após longa espera, o raio-X do VAR descobriu uma falta do argentino sobre Vrousai, anulando o golo e entrando o primeiro grande momento de raiva de Mou — sorriso irónico, ar de "agarrem-me que eu vou-me a eles", esbracejar abundante Ω— neste regresso a Portugal
Depois da controvérsia do VAR, Mourinho estreou Lukebakio. O belga, canhoto partindo da direita, deu a energia e vertigem que escasseavam ao Benfica, conferindo o um contra um que um coletivo de pouca presença junto das linhas não possuía. Nos primeiros minutos em Portugal, o ex-Sevilha fez uma boa diagonal que deu em remate para defesa de Miszta, colocou um cruzamento com música para Ríos, assumiu o protagonismo ofensivo. As águias, que não tinha quem arriscasse no drible, passaram a fazer do jogo uma sucessão de tentativas de finta. Bola no debutante e aguardar. Mas o golo não aparecia.
Até que apareceu. Pela fórmula tentada. Lukebakio a galopar pela direita, cruzamento atrasado para Sudakov, golo. Mou ia colocar Henrique Araújo para o assalto final ao golo, mas recuou e fez marcha-atrás, lançando Barreiro para o lugar do criativo ucraniano. Três minutos depois, colocaria mesmo Henrique Araújo.
O culpado? André Luiz. Bola na frente do Rio Ave e o brasileiro à pesca. A equipa de Sotiris tem vivido um pouco disto, jogar nos seus atacantes e ver o que sucede. Desta feita, deu felicidade vila-condense. Ir para dentro, remate em arco, a Luz em trauma, novamente o trauma do fim dos jogos, mais pontos perdidos em casa nos derradeiros minutos.