Crónica de Jogo

Os voos de Cádiz acentuam o desnorte do FC Porto

Pela terceira jornada seguida, os dragões não venceram, desta feita com um empate contra o Famalicão (2-2). O venezuelano dos minhotos bisou numa partida em que a instabilidade emocional — Evanilson foi expulso — e a ineficácia prejudicaram os azuis e brancos

Diogo Cardoso/Getty

Para avaliar o atual momento do FC Porto, talvez seja melhor reparar no que as caras mostram do que notar somente o que os pés fazem. Quiçá não devamos tentar perceber dinâmicas táticas, opções estratégicas e mais tópicos de análise futebolística: a chave está mesmo nos rostos de descontentamento, nos olhos de dúvida, nas expressões inquietas, nos gritos de impaciência.

Cada passe que um futebolista azul e branco faz é, por estes dias, uma declaração de instabilidade, uma ideia de incerteza, talvez para andar em sintonia com o atual quadro político nacional. Este labirinto confuso une relvado e bancadas, equipa e dirigentes, situação pontual e eleitoral.

Depois das derrotas contra Estoril e Vitória SC, chegou a terceira jornada seguida sem ganhar, num 2-2 contra o Famalicão que só não foi pior porque, aos 82', Taremi evitou a 12.ª derrota da época.

Um instante já em tempo de descontos sintetiza o estado emocional do FC Porto: Evanilson envolveu-se numa picardia com um adversário e foi expulso, um vermelho ao cair do pano que tira o melhor marcador da época da segunda mão das meias-finais da Taça de Portugal, frente ao Vitória SC, o jogo que se assume de importância capital para a campanha portista, já que residem naquela prova as únicas esperanças de vencer um troféu. A racionalidade foi-se embora.

MANUEL FERNANDO ARAÚJO/Lusa

Se de um lado falta cabeça, no outro há de sobra. Cádiz, o ponta-de-lança venezuelano com nome de terra espanhola, é um especialista no jogo aéreo, um craque a responder a cruzamentos. Um dia depois de se saber que Yulimar Rojas, a sua compatriota craque do triplo-salto, falhará os Jogos Olímpicos, Jhonder terá apresentado a sua candidatura a substitui-la.

O quinto golo de cabeça de Cádiz na I Liga 2023/24 fez o 1-0, o 13.º do atacante na competição fez o 2-1. Em cima do final, o Famalicão viu fugir um triunfo em casa de um adversário onde só ganhou uma vez, em 1992/93.

Pouco depois do primeiro voo de Cádiz, uma cabeçada em que o venezuelano foi conversar com os pássaros antes de marcar,os locais nem tiveram razões de queixa quanto aos deuses da fortuna. O 1-0 chegou aos 9’ e, oito minutos passados, o empate veio sem ter sido precedido por um elevar da qualidade de jogo do FC Porto. O esforço de Evanilson levou a bola para os ágeis e hábeis pés de Francisco Conceição, que tirou De Haas da frente antes que o seu cruzamento fosse caprichosamente desviado por Zaydou Youssouf, que apontou um auto-golo.

O FC Porto era adversário de más memórias para Armando Evangelista, o técnico do Famalicão que perdera os seis anteriores duelos contra os dragões. No entanto, os visitantes beneficiaram da desinpiração dos azuis e brancos, autores de um arranque de partida sonolento e errático. A primeira vez que os vice-campeões nacionais remataram à baliza de Luiz Júnior foi aos 33’, quando Francisco Conceição, no seu movimento típico da direita para o centro, disparou para as mãos do guardião.

Do outro lado, o talento que os minhotos têm olhava sempre para Diogo Costa. Gustavo Sá atirou perto do poste esquerdo e Sorriso, em novo lance canalizado pelos flancos, também roçou o 2-1.

A vantagem regressou para o lado do Famalicão perto do intervalo. Gustavo Sá, no seu estilo de Michael Ballack, médio de olhos postos na área adversário, foi para a ala, para o espaço a partir do qual a equipa mira Cádiz, projeta as suas rotas de voo. O cruzamento, desta feita, foi rasteiro, mas Cádiz beneficiou da hesitação entre Otávio e Diogo Costa para bisar.

O público despediu-se da equipa com um coro de assobios.

MANUEL FERNANDO ARAÚJO/Lusa

Ao intervalo, o descontentamento que Sérgio Conceição mostrava através da expressão da face ganhou forma de substituição. Ou de substituições. Três trocas: saíram Jorge Sánchez, Grujic e Iván Jaime e entraram Varela, Galeno e Taremi. Mas, se a etapa inicial foi de apatia, a complementar foi de ansiedade, do já repetido desnorte.

Logo aos 54', após Taremi pedir um penálti, os protestos foram veementes e quase descontrolados. Francisco Conceição levou as mãos à cabeça, Sérgio Conceição também, até o segurança que se senta ao lado do técnico parecia nervoso.

Taremi, em modo despedida, foi um dos protagonistas da segunda parte. Voltou à dupla com Evanilson, mas a sintonia não é a dos melhores tempos. Aos 62', o brasileiro rematou e o iraniano, em fora de jogo, anulou a ação.

Luiz Júnior empenhou-se em travar a melhor fase azul e branca da tarde. Taremi e Evanilson foram perdulários e a ideia da terceira jornada seguida a perder chegou a pairar com insistência sobre um estádio sobre o qual há carregadas nuvens negras neste momento. No entanto, aos 82', Taremi fez o 2-2 final, no seu primeiro golo desde dezembro.

Com a hipótese de chegar ao segundo lugar descartada, o compromisso a meio da semana para a Taça é bem mais importante que este. Mas, nos descontos, o melhor marcador da equipa entrou em sintonia com o restante coletivo, o restante estádio, o restante clube. Vermelho para Evanilson, nona expulsão de um futebolista do FC Porto na I Liga. Olhe-se para as caras deles e perceber-se-á melhor porquê.