Há competições que, enquanto estiver no zénite, vão deixar Tadej Pogacar atolado em vitórias. Outras, tamanha é a especificidade, parecem esconder-se do arrebatamento do esloveno. Como se costuma dizer: o seu a seu dono. Remco Evenepoel é o mestre do tempo, o campo magnético que controla os ponteiros do relógio sempre que a luta é entre um ciclista e o cronómetro.
A dois quilómetros do fim, Evenepoel ultrapassou Pogacar, embate visto com frequência nas corridas em linha. Porém, neste caso, ambos partiram com uma diferença de 2:30. O encontro entre ambos só poderia querer dizer que a falência energética do esloveno o impediu de entrar numa luta que não era sua, mas à qual se candidatou.
Se Pogacar, insaciável caçador de logros, pudesse completar a caderneta onde se colam fotografias de triunfos em todas as principais corridas do mundo, fá-lo-ia mesmo que algumas pouco adequadas sejam à sua fisionomia. Aparentemente, não se tratando de uma obsessão semelhante à de vencer monumentos como Milão-Sanremo ou Paris–Roubaix, a possibilidade de ser campeão do mundo de contrarrelógio era algo que vinha mesmo a calhar.
Só num dia especial, quase com contornos de efeméride, Tadej Pogacar conseguiria a camisola arco-íris destinada ao demolidor de relógios. Aliás, talvez esta fosse a oportunidade de uma vida para o conseguir. Por que não arriscar?
A UCI levou os Campeonatos do Mundo para o Ruanda – país duvidosamente respeitador de liberdades – e, na primeira visita da competição ao continente africano, assombrou os puros contrarrelogistas com 40,6 quilómetros com segmentos de empedrado, um acumulado de 680 metros de subida e uma altitude de 1.500 metros.
Remco Evenepoel procurava o terceiro título mundial de contrarrelógio consecutivo, algo que só Michael Rogers e Tony Martin tinham conseguido alcançar anteriormente, mas, com a dureza do trajeto, ganhou a concorrência de alguém disposto a interpor-se. A dicotomia passou a ser Remco Evenepoel, Tadej Pogacar. Tadej Pogacar, Remco Evenepoel.
À saída do pavilhão onde o relógio começava a contar, bombos marcavam o ritmo. O do belga foi fulminante desde os primeiros quilómetros, engolindo desenfreadamente as estradas de Kigali, maquilhadas com sombras cor de tijolo como referência à aridez do local. Implacável, o corredor que vai representar a Red Bull-BORA-hansgrohe em 2026 deu pistas sobre o domínio imposto em todos os pontos de cronometragem intermédios.
Jay Vine (2.º lugar, 51:00.83) e Ilan Van Wilder (3.º lugar, 52:22.10) acompanhavam a luta de galos com a expectativa de saberem a posição definitiva que iriam ocupar. No fim, Tadej Pogacar não conseguiu sequer um lugar no pódio. Remco Evenepoel (49:46.03) dobrou o esloveno na derradeira subida, uma rampa empedrada que será recordada como o lugar em que o canibal foi capturado.