Ciclismo

A Vuelta é de Vingegaard, mas João Almeida sai de 2025 com a convicção de que vencer uma grande volta é uma questão de tempo

O dinamarquês selou a conquista da corrida ao triunfar na Bola del Mundo, juntando a competição espanhola ao bis que fez no Tour. Almeida terminará a Vuelta em segundo, igualando o melhor registo de sempre de um corredor nacional em três semanas e conseguindo novo grande resultado numa época brilhante

Tim de Waele

João Almeida obrigou Jonas Vingegaard a um sofrimento que, possivelmente, o dinamarquês não esperava ter nesta Volta a Espanha. O bicampeão do Tour praticamente não sabe o que é perder uma grande volta para alguém que não se chame Tadej Pogačar, mas, a certa altura da Vuelta, essa hipótese deixou de ser especulação.

As prestações desportivas medem-se, em boa parte, por quem se derrota e por quem nos derrota, são exercícios de constante comparação. João Almeida terminará a última grande volta do calendário em segundo. Quem o superou? Jonas Vingegaard, rei do Tour em 2022 e 2023, vice na prova francesa em 2021, 2024 e 2025, craque indiscutível.

O caldense ousou desafiar o escandinavo, mas faltaram forças, os 44 segundos eram distância excessiva. Vingegaard corou-se na Bola del Mundo, triunfando na tirada. João foi quinto, chegará a Madrid como vice-campeão. Fica igualado o melhor resultado de sempre de um português nos maiores palcos das bicicletas, o segundo lugar de Joaquim Agostinho na Vuelta 1974.

Dario Belingheri

Como se vinha antecipando, a Vuelta decidiu-se na Bola del Mundo, no pico localizado na Sierra de Guadarrama, já próximo de Madrid. Subiu-se a 2.253 metros de altitude, lá bem em cima, escalaram-se 12,4 quilómetros com pendente média de 8,6%. A conclusão é numa superfície árida, que vai desnudando-se, vai perdendo a biodiversidade e ganhando um aspeto inóspito, letal, brutal.

Antes do início da subida, as já habituais manifestações pró-Palestina quase forçaram, novamente, à paragem dos ciclistas. Não obstante, desta feita, os grupos da frente conseguiram esgueirar-se entre o caos e a penúltima tirada lá foi em direção à montanha.

A UAE saiu do plano das fugas e optou pela ordem unida. Todos juntos, em fila, impondo ritmo até aos quilómetros finais. Na derradeira ascensão, Ayuso foi o antepenúltimo a trabalhar, Großschartner o penúltimo, Vine ficou com o papel de reduzir ao máximo o grupo de favoritos. A 3 quilómetros do fim, João Almeida tentou a epopeia.

Fita no nariz, óculos encaixados no capacete, a imagem habitual do homem de A-dos-Francos. Atrás, qual lapa, vinha Vingegaard, mais profissional de póquer, óculos tapando os olhos, disfarçando o estado físico.

À medida que o verde é substituído pelo cinzento, o alcatrão sai do piso da Bola del Mundo e entram inclinações acima dos 10%. Jonas não descolava, João não tinha mais para dar. Hindley, que tentava o assalto ao terceiro lugar que Pidcok segurou, fez uma mudança de ritmo, Almeida teve dificuldades em acompanhar, Jonas respondeu rapidamente.

A meta ia-se aproximando visualmente, mas distante em dor, longínqua em pedaladas a dar. Não ia dar para anular os 44 segundos. Com efeito, foi Vingegaard que deu uma resposta de campeão. Não quis ganhar com uma imagem conservadora, conformista. Arrancou, ninguém respondeu, conquistou uma montanha imponente. O craque dinamarquês precisava disto, de brilhar na ausência do rei-sol, do ditador esloveno.

Falta apenas a jornada de consagração rumo a Madrid. João Almeida concluiu a 1,16 minutos do vencedor. Não deu para superar o segundo melhor voltista do mundo, mas 2025 é a época do João 2.0., do líder, do atacante, do corredor que só está atrás dos extraterrestres. "Parabéns ao Jonas, ele esteve muito forte", comentou, no final, o caldense. A Vuelta ficou a 76 segundos de distância. Ganhar uma grande volta parece ser uma questão de tempo.