Se nos lembrarmos do dique desfeito por Novak Djokovic em Paris, quando nem há um mês escancarou as comportas da emoção em Roland-Garros ao berrar, chorar e a desfazer-se num pranto, será fácil empatizar com a descarga sentimental do sérvio no momento em que venceu a medalha de ouro olímpica, o título que lhe faltava na sua estelar carreira com 99 torneios conquistados, incluindo 40 Masters e 24 Grand Slams. Confessou o sérvio ter sido o pináculo da sua existência com uma raquete na mão, um auge que lhe passou o troco em Nova Iorque, sem piedade.
Sem mazelas físicas ou lesões a apoquentá-lo, Djokovic perdeu, na madrugada deste sábado, no estádio Arthur Ashe, a maior das arenas do ténis, na terceira ronda do US Open, caindo com estrondo perante Alexei Popyrin. Em quatro sets (6-4, 6-4, 2-6, 6-4), o australiano que só bem há pouco tempo ganhou o primeiro Masters 1000 da sua carreira, em Montreal, embora frescas na memória estavam as partidas que partilhara com Novak em Wimbledon e no Open da Austrália, nas quais já o obrigara a batalhar durante o mesmo número de parciais. Com tanta energia deixada em Paris, o sérvio não pôde com mais.
Impávido por vezes, parecendo incapaz noutras tantas, o campeão olímpico acentuou as impressões que já mostrara nas duas rondas anteriores. Amorfo no serviço (14 duplas faltas e 58% de acerto no primeiro saque) e invulgarmente falível (49 erros não forçados), Djokovic ainda pareceu, no terceiro set, estar prestes a fazer uma das suas, vencendo esse parcial, desenferrujando a cadência dos seus movimentos e cerrando punhos ao celebrar pontos; parecia um iminente processo de ressuscitação, mais um do sérvio, o tenista que mais se ergue em jogos onde lhe vaticinam o chão.
Não em Nova Iorque. O esforço olímpico em Paris minou-lhe o combustível físico e mental. Há 18 anos que Djokovic não caía tão cedo no US Open, tombado então pelos “c’mon!” de Lleyton Hewitt, já retirado e no sábado a assistir na bancada do canto de Popyrin, por ser capitão da seleção australiana na Davis Cup. Não que lhe estivesse necessariamente na cabeça, mas ainda não será este ano que Nova Iorque tem um campeão a ser capaz de defender o título: Novak também perseguia, tendo ou não essa cenoura diante dos olhos, a façanha lograda pela última vez por Roger Federer, em 2008.
No final, o cansado sérvio baixou as defesas. “Sinceramente, pela forma como joguei e como me senti, é um êxito ter chegado à terceira ronda”, disse, sem problemas em radiografar a sua prestação: “Joguei o meu pior ténis, nunca tinha servido tão mal, se jogas numa superfície tão rápido a servir assim, sem ganhar pontos grátis, com tantas duplas faltas, não podes ganhar. Foi um jogo horrível.” E misturou a auto-crítica com uma confissão absoluta. “Gastei muita energia para ganhar o ouro [nos Jogos Olímpicos], por isso cheguei aqui sem me sentir fresco, nem física, nem mentalmente. Mas, por ser o US Open, tentei, mas faltava-me gasolina, ficou claro pela forma como joguei”, lamentou o tenista que não ficava um ano sem tocar em Grand Slams desde 2017.
Estrada livre para as raquetes menos óbvias
A vitória do gigantão Alexei Popyrin, prole de 1,96 metros de russos imigrados para a Austrália, juntou-se à que Botic van den Zandschulp impôs na véspera a Carlos Alcaraz, o outro mega candidato a ganhar o US Open. Tal como Djokovic, o espanhol admitiria estar esvaziado de energia, fustigado mentalmente pela roda dentada do circuito e as exigências de ter competido há tão pouco tempo na final olímpica. “Mentalmente não estou bem”, reconheceu ‘Carlitos’. Em 24 horas, o Grand Slam americano ficou sem os seus cabeças de cartaz, já depois de Lorenzo Musetti, italiano que ficou com o bronze em Paris, também ser eliminado - e antes dele foi Félix Auger-Aliassime, o canadiano derrotada no jogo olímpico do 3.º e 4.º lugares.
O reverso das medalhas ficou escancarado em Nova Iorque, onde a confirmação de que pela primeira vez em 22 anos nenhum dos consagrados ‘big three’ do ténis (cedendo à redundância, são eles Djokovic, Federer e Nadal) vencerá um Grand Slam também contribuiu para um torneio refrescante.
O campeão deste US Open será necessariamente alguém menos badalado, algum tenista não ofuscado pelos holofotes das previsões. Entre os nomes maiores sobra o óbvio Jannik Sinner, apesar de não aparentar estar a jogar na melhor das formas e em redor de quem paira um caso de doping, que o tem circundado com a polémica de ter testado positivo para uma substância proibida, mas ter sido ilibado. “É o principal favorito”, reconheceu até Djokovic. A par do ruivo italiano, há Daniil Medvedev, extrovertido russo de quem Nova Iorque tem o hábito de arrancar o melhor ténis - é o único campeão do torneio (em 2021) ainda em prova - e os nomes que parecem estar a voar nos rápidos courts de Flushing Meadows.
Resta o afável Frances Tiafoe, com o seu jogo rock n’ roll e emoções sempre emanadas a altas rotações, estilo que casa com a ardência do público nova-iorquino. Ainda há a elegância da esquerda a uma mão de Grigor Dimitrov, búlgaro a viver uma nova vaga de energia aos 33 anos. Do duelo entre Alexander Zverev e Andrey Rublev sobreviverá um jogador com ténis pneumático do fundo do campo, do tipo que prospera nestes pisos rápidos. E depois há o norueguês fiável, porém discreto, Casper Ruud, finalista de três majors, ou o igualmente pacato Alex de Minaur, australiano quiçá sem ténis para almejar tão alto, mas a navegar num 2024 notável.
Uns patamares abaixo nesta pirâmide está Nuno Borges, ele próprio a desfrutar de um píncaro da carreira, já com garantias de ir melhorar o seu melhor ranking de sempre (chegou a Nova Iorque no 34.º lugar da hierarquia mundial) quer perca, ou ganhe a Jakub Mensik, checo que defronta este sábado na terceira ronda do torneio.