Em 2008, Alexi Popyrin era um menino de sete anos a quem foi permitida uma não habitual quebra nas regras. Muito para lá da hora normal de ir para a cama, ele era uma das centenas de pessoas que se mantiveram na Rod Laver Arena enquanto Lleyton Hewitt e Marcos Baghdatis de digladiavam madrugada fora num encontro da 3.ª ronda do Open da Austrália. O duelo terminou às 4h33 da manhã e é, ainda hoje, o encontro que terminou a horas mais tardias do primeiro major da temporada. E teve um efeito poderoso naquele menino australiano filho de pais russos, que pegou numa raqueta pela primeira vez com quatro anos.
“O jogo acabou para lá das 4 da manhã e nós saímos no quarto set, mas eu cheguei a casa e continuei a ver na televisão. É uma memória fantástica”, disse o tenista à agência AAP, do seu país, em 2019.
Esta quarta-feira, Alexei Popyrin ameaçou nova maratona, agora em nome próprio, em pleno court principal do Open da Austrália e em sessão noturna. Só que do outro lado estava Novak Djokovic. Num encontro em que chegou a ter quatro set points no 3.º set para passar para a frente no marcador, Popyrin não fechou. No tie break, Djokovic encerrou o parcial. E com três pontos de break no set seguinte, o sérvio não falhou. É a diferença.
Ainda assim, aquele menino que hoje é um gigante de 24 anos e quase 2 metros testou e muito a resistência do número um mundial, afetado por uma gripe, e que só fechou o encontro em quatro sets, com parciais de 6-3, 4-6, 7-6(4) e 6-3. Num jogo em que o serviço e a direita de Novak, duas pancadas habitualmente muito fiáveis, não estiveram afinadas, os pequenos sinais de dificuldade do tenista de Belgrado juntaram-se, no 2.º set, a uma surpreendente variabilidade de jogo do australiano, letal na esquerda paralela a duas mãos e com um par de pontos de fazer levantar o estádio.
Aproveitando também a abrupta queda na percentagem de primeiros serviços colocados pelo sérvio (apenas 59% no 2.º set), Popyrin fechou o parcial com um lob, depois de chamar Djokovic à rede com duas esquerdas em slice que surpreenderam o favorito. Já Djokovic ia somando erros de direita, muito incaracterísticos no jogador que já venceu em Melbourne Park uma dezena de vezes.
Com tudo empatado, o 3.º set acentuou o equilíbrio no encontro. Djokovic, de quando em vez, esticava o pulso direito que lesionou semanas antes do Open da Austrália. Noutras ocasiões, lançava a raqueta ao ar, como quem tenta arrancar da cabeça uma qualquer solução para um problema. Que naquele momento, mais do que a questão física, chamava-se Alexei Popyrin, que continuava a fazer mossa com a sua esquerda, eficaz no serviço-vólei e a fazer o sérvio mexer-se mais do que estaria à espera. Com 5-4 e o sérvio a servir para empatar, o australiano desperdiçou um 40-0 e depois mais um break point nas vantagens. O que se revelaria decisivo para o encontro.
O tie-break é território primordial para o animal de combate que é Novak Djokovic, com uma resiliência talvez nunca antes vista num court de ténis. Garantido o terceiro set e o regresso à vantagem no encontro, para o 4.º set o sérvio tinha também a alavanca mental, que ficou ainda mais fortalecida quando alguém nas bancadas terá gritado algo pouco agradável para o sérvio. Por esta altura, quem vai ver um jogo de ténis já deveria saber que isso é um erro crasso, porque é a estas altercações, aos pequenos ódios alheios, que Djokovic vai buscar forças. “Vem cá e diz-me isso na minha cara”, gritou o líder do ranking para o espectador. E daí para a frente praticamente não perdeu pontos. À segunda oportunidade, o campeão em título fechou o encontro com um 6-3 e segue na luta por um 11.º título do Open da Austrália.
Já Popyrin haverá de pensar muitas vezes naqueles quatro set points perdidos e de como terá perdido uma oportunidade de ouro de emular Lleyton Hewitt e Marcos Baghdatis. Contra Djokovic, elas não surgirão muitas vezes.
Na 3.ª ronda, o sérvio terá pela frente o argentino Tomás Etcheverry, 30.º pré-designado em Melbourne.