A comparação de modalidades desportivas é um beco onde gostamos de nos engalfinhar, louvamos a qualidade daquele, em desprimor da faceta que desprezamos daqueloutro, o exercício é frequente se bem que inconsequente por não haver saída conclusiva, mas colocamos a touca e mergulhamos de cabeça nessa encruzilhada da qual nos condenamos a não sair pois não há conclusão possível além de constatar que tanto são as pessoas que fazem a dita modalidade, como o que praticam também as faz a elas, até um certo ponto. Ninguém sabe ao certo por onde andará o meio que guarda a virtude, mas, por estes dias, colocar o futebol diante do râguebi tem sido uma prática repetida.
No domingo, um cidadão francês viu um português a exaltar-se com gestos bruscos e impropérios audíveis e saiu do seu lugar no estádio Geoffroy-Guichard para lhe perguntar, em jeito de lembrete, se ele era adepto de futebol ou de râguebi. O jogo em Saint-Étienne, terceiro de Portugal no Mundial da modalidade comummente tida como cavalheiresca nos praticantes apesar de criada para vândalos, teve Portugal a superar a Austrália em vários períodos, apesar de ter perdido e a interpelação do incógnito indivíduo a quem fervia um pouco para lá do que é torcer no controlo das suas estribeiras veio, precisamente, do lugar clichezado onde contrapomos distintas formas de praticar desporto.
É engraçado constatar que o mais usual é apropriarmo-nos de cada modalidade como sendo ‘o’ desporto. Não dizemos “a minha modalidade preferida”, ouvimos muito mais “o meu desporto favorito”. É sintomático do nosso tribalismo enquanto humanos e do quão sedutora é a sensação de pertença a algo de que gostamos e de que muita gente gosta de mesma ou parecida forma. Depois é que vem a teima em comparar, porque do outro lado da analogia aos gentlemen está a segunda parte da lenga-lenga que cita o futebol como algo criado senhorialmente e jogado por feios, porcos e maus. Depois, para lá desse nevoeiro dos lugares-comuns, é possível constatar que não são necessariamente pessoas diferentes a praticar modalidades diferentes, mas as mesmas pessoas a mudarem consoante o meio onde estão.
Se assim o é, então por que o fazem?
Os árbitros no râguebi não são alquimistas de uma qualquer poção bebida pelos jogadores que os impeça de gritar, insultar ou barafustar contra decisões tomadas pelo dono do apito. Ninguém aponta uma arma para eles, matulões apetrechados de tanto músculo, cordialmente se cumprimentarem no final e os vencedores aplaudirem os vencidos. Tão pouco alguém terá obrigado os vários jogadores portugueses que junto ao relvado varreram as bancadas do estádio após o jogo a cumprimentarem adeptos e tirarem fotografias. Muito menos há uma diretiva decretada para adeptos de países ou equipas contrárias se misturarem amigavelmente, como as dezenas de portugueses nos arrabaldes do Geoffroy-Guichard que tocavam trombone, cantavam e se divertiam em comunhão com australianos depois de serem derrotados no campo.
Cada prática tem os seus hábitos e a sua maneira de esculpir pessoas mediante os valores que apregoa, no râguebi impera uma cultura de respeito na qual a autoridade é acatada apesar de desacordos ou erros, o que é diferente de uma decisão ser aceite consoante o lado para onde a virmos soprar. O que o árbitro diz e explica é ouvido por toda a gente num estádio do Mundial de râguebi (ou da ‘Champions’ da modalidade, do torneio das Seis Nações ou do Super Rugby, por exemplo) porque essa cultura existe de dentro para fora e de cima até baixo, até eu, que mal o joguei e joguei-o mal na adolescência sem mordomias tecnológicas em Portugal, que faz maravilhas com o seu contexto amador, vivi como isso está entranhado na oval.
E em Saint-Étienne vi como o que seria belo em qualquer modalidade é embelezado ainda mais pelo râguebi, onde a seleção com metade do seu 15 feito de jogadores amadores, vinda de um país nem com cinco mil federados, marcou dois ensaios (e outros dois anulados) à nação com dois Campeonatos do Mundo ganhos, entre as quais se vaticinavam diferenças maiores do que o 34-14 sugere. O que distinguiu Portugal da Austrália foram mais erros em tomadas de decisões em momentos estratégicos do que a carência de meios e o, por vezes, êxtase nas bancadas onde diferentes cores de camisolas se misturam sem celeumas aperaltou ainda mais o evento.
O râguebi não é imune a defeitos, tem bastantes, todas as modalidades os têm, mas conviver tão bem com a diferença no que toca às suas formas mais basais - a cordialidade entre jogadores e árbitros, o poder escutar-se as razões atrás de uma decisão, o facto de ‘armários’ humanos tanto se respeitarem no campo onde reside tanta força bruta - distingue a modalidade nos pontos que muitas outras chocam. Não imagino, em Portugal, adeptos de um clube grande derrotado na casa do rival a divertirem-se à porta do recinto, muito menos que os adeptos da equipa vitoriosa levassem a festa a bem, nem que algo tão basilar com vender álcool no estádio e deixá-lo ser bebido nas bancadas fosse permitido, mas, ups, eis a tentação de comparar.
Mas, de entre todas as pessoas que vão a França apoiar a seleção nacional e outras equipas de países onde o râguebi não é a modalidade mais popular, será que se comportam no futebol com o mesmo respeito e contrição saudáveis que evidenciam durante um jogo de râguebi? Se assim não for, então quais são as razões? Onde está a diferença?
O que se passou
Zona mista
“Estivemos cá, almoçámos, fomos a casa e voltámos para lanchar. Não é a mim que têm de perguntar. Só posso comentar os treinos e os jogos e tentar que os jogadores tenham alegria no trabalho. Não é fácil para eles nem para nós, mas há que continuar. Todos trabalhamos para receber, mas tentamos dar o melhor por este clube centenário e com história.”
Como tanto acontece quando os clubes de futebol são convulsionados por questões extra campo, é a pessoa cujo trabalho se foca em fazer uma equipa dar uns pontapés na bola a ter de dar a cara por coisas que o superam. Tem sido Petit, o treinador do Boavista há pouco tempo líder do campeonato, a responder a perguntas sobre os salários em atraso no clube que este fim de semana impediram os axadrezados de treinarem devido a um protesto dos seus médicos.
O que vem aí
Segunda-feira, 2
⚽ A 7.ª jornada da I Liga fecha com um Gil Vicente-Casa Pia (20h15, Sport TV1). Pouco antes, há um dérbi londrino na Premier League: o Fulham de Marco Silva e João Palhinha recebe o Chelsea (20h, Eleven Sports1).
Terça-feira, 3
⚽ Aí está a segunda jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões e o Benfica vai a Milão para jogar com o Inter (20h, TVI). À mesma hora, destaque para a receção do Nápoles ao Real Madrid (Eleven Sports).
Quarta-feira, 4
🎾 Arranca o Masters 1000 de Xangai, penúltimo torneio desta categoria da época (5h30, Sport TV2). A prova joga-se a diário e termina a 15 de outubro.
⚽ O FC Porto é anfitrião do Barcelona na Champions (20h, Eleven Sports1) enquanto o Newcastle recebe o PSG e o RB Leipzig acolhe o Manchester City, tudo à mesma hora.
Quinta-feira, 5
⚽ Em Alvalade, o Sporting joga com a Atalanta para a Liga Europa (17h45, SIC), quando o Lille de Paulo Fonseca estiver a fazer pela vida no frio das Ilhas Faroé para se medir contra o KÍ Klaksvík (17h45, Sport TV5) na fase de grupos da Liga Conferência. Mais tarde, a Roma de José Mourinho e Rui Patrício recebe os suíços do Servette (20h, Sport TV2).
🏉 Para fechar a fase de grupos do Mundial de râguebi, a Nova Zelândia defronta o Uruguai (20h, Sport TV).
Sexta-feira, 6
⚽ O Palmeiras de Abel Ferreira joga a 2.ª mão das meias-finais da Copa Libertadores, em casa, contra o Boca Juniors da Argentina (1h30, Sport TV1). À noite, arranca a 8.ª jornada do campeonato nacional com o Moreirense-Boavista (20h15, Sport TV1).
🏉 A França, anfitriã do Mundial, joga com a Itália no Mundial (20h, Sport TV).
Sábado, 7
⚽ Mais I Liga: Farense-Vizela (15h30, Sport TV4), Desp. Chaves-Gil Vicente (15h30, Sport TV1), SC Braga-Rio Ave (18h, Sport TV1) e Estoril Praia-Benfica (20h30, Sport TV1). Já agora, na Serie A italiana há o dérbi da cidade de Turim, entre a Juventus e o Torino (17h, Sport TV2).
🏉 Três jogos do Mundial de râguebi: Gales-Geórgia (14h, Sport TV), Inglaterra-Samoa (16h45, Sport TV) e Irlanda-Escócia (20h, Sport TV).
Domingo, 8
🏎️ Fórmula 1: Grande Prémio do Catar (18h, Sport TV)
⚽ Mais campeonato nacional: Famalicão-Vitória (15h30, Sport TV1), Casa Pia-E. Amadora (15h30, Sport TV3), FC Porto-Portimonense (18h, Sport TV1) e Sporting-Arouca (20h30, Sport TV1). Atenção ao Arsenal-Manchester City que vai agitar a Premier League (16h30, Eleven Sports1).
🏉 E mais três partidas do Campeonato do Mundo oval: Japão-Argentina (12, Sport TV), Tonga-Roménia (16h45, Sport TV) e o Fiji-Portugal (20h, Sport TV).
Hoje deu-nos para isto
O Boavista que em tempos se elogiava como Boavistão e cujos tempos já foram algo imitados, esta época, por um treinador com poucos meios à disposição e que já dormiu na liderança do campeonato, existe por estes dias enlameado numa situação de salários em atraso. É incerto se o problema afeta, também, jogadores e staff da equipa principal, mas, no domingos, um protesto de médicos do clube obrigou ao cancelamento de um treino e relembrou um plantel o que é existir profissionalmente e no topo do futebol português com algo indesejado em seja qual for a profissão.
Ainda em julho, a empresa de seu nome “Jogo Bonito” comprou outra fatia da SAD do Boavista para ficar com dois terços do capital, essa empresa é de Gérard Lopez, empresário hispano-luxemburguês dono de outros clubes de futebol sob cujo périplo o clube axadrezado está agora envolto numa das coisas menos bonitas, mas infelizmente não tão raras quanto isso, no futebol profissional em Portugal.
Há tempos, o nosso Pedro Barata falou com quem, noutros casos semelhantes que afetaram sem cerimónias futebolistas de equipas da I Liga, teve de jogar e treinar sem ser pago para tal como estava contratualmente previsto. Antes de serem lidos os seus testemunhos, é óbvio que as histórias contadas não têm ponta de boniteza.
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