A 21 de julho de 2020, pandemia, covid-19, máscaras e vacinas eram, ainda, o tema esmagadoramente dominante na sociedade. Mas, naquela noite de verão, Portugal olhou para a Vila das Aves entre a tristeza e o insólito.
Com os jogadores do Aves com salários em atraso, o clube arrastava-se num cenário de pré-fecho. Vários futebolistas rescindiram contrato antes do encontro contra o Benfica, marcado para aquele dia e que chegou a estar em risco. As horas anteriores à partida pareciam vindas de uma tragédia cómica, com as chaves do autocarro a desaparecerem e os vários membros da equipa a viajarem a pé, de táxi ou nas próprias viaturas para o estádio, cujas portas estavam fechadas a cadeado, que teve de ser rebentado pela GNR após autorização de um juiz.
No decorrer do desafio vir-se-ia a descobrir que o troféu obtido pela conquista da Taça de Portugal, ganha somente dois anos antes, desaparecera. No meio deste cenário, os profissionais do Aves recusaram-se a jogar os primeiros 60 segundos da receção ao Benfica, ficando parados em campo enquanto o tempo passava.
O capitão daquele Desportivo das Aves era Afonso Figueiredo. À Tribuna Expresso, recorda “um dos jogos mais difíceis” da carreira, no qual ele e os companheiros que não rescindiram entraram em campo para “dignificar o clube e os adeptos”. Durante aquele eterno minuto em que 11 homens que não recebiam pelo seu trabalho ficaram parados, o canhoto pensou “em muita coisa”.
Para o lateral, a situação não era nova. Também no Boavista, quer na terceira divisão, quer na I Liga, Afonso Figueiredo teve salários em falta. Em 2016, quando saiu dos axadrezados para o Rennes, ainda tinha dois ordenados em atraso, mas nunca foi para a justiça nem quis “prejudicar o clube” por uma questão de “gratidão”.
Antes de Afonso, também jogadores como Peter Jehle, guarda-redes luxemburguês, ficaram eternos credores do Boavista. Depois seguiram-se Reggie Cannon e Javi García, que levaram os respetivos casos à FIFA. Esses dois processos são parte da razão pela qual, no passado mercado de transferências, o Boavista foi impedido de inscrever jogadores.