Quando as outras parecem correr agarradas à pista, quando a última curva é feita e vemos atletas de elite com colas que as fixam ao chão e prendem a aceleração, Faith Kipyegon voa. Nada a detém, não há cansaço nem fadiga nem limites, há uma passada larga, confiante, um domínio da cena, da distância, das adversárias, do estádio, de Tóquio inteira.
Um, dois, três, quatro. A queniana cruza a meta e mostra um póquer de dedos. É o número de vezes que foi campeã mundial nos 1.500 metros, num total de cinco ouros na competição, juntando aos da sua prova preferida o dos 5.000 metros em Budapeste 2023. E em Jogos Olímpicos? Campeã nos 1.500 metros no Rio de Janeiro 2016, em Tóquio 2020, em Paris 2024. Uma ditadura é qualquer coisa como isto.
Leve e levitante, Kipyegon, que embarca em aventuras comerciais para fazer a milha em menos de quatro minutos, acentuou o seu domínio no Japão. Esteve sempre no primeiro lugar, não largando a posição que é sua há uma década. Terminou com 3.52:15 minutos.
A festa das quenianas só não foi plena devido a Jessica Hull. A australiana ousou desafiar a ditadora, na última curva fez um assomo de aproximação, mas terminaria mais preocupada com Dorcus Ewoi e Nelly Chepchirchir. Ensanduichada entre quenianas, foi batida por Ewoi, mas resistiu, no limite, a Chepchirchir. Terminaria exausta, louvada pela armada do Quénia.
Mais atrás, Salomé Afonso concluiu em 12.ª. Teve um registo de 4.00:47, perto do seu recorde pessoal de 3.59:32 minutos, conseguido ainda este ano.
Salomé chegou à final de forma conturbada. Inicialmente, a atleta do Benfica foi eliminada na segunda meia-final, com um registo de 4.15,08 minutos, efetuado após uma colisão com a alemão Nele Wessel.
Concluída a eliminatória, a italiana Marta Zenoni, que provocou o incidente, foi imediatamente desclassificada. A ausência da transalpina levou à repescagem de Wessel , seguindo-se a inclusão de Salomé, na sequência de um recurso. Desta forma, eram 14 as mulheres na linha de partida para a distância que, em Atenas 1997, foi vencida por Carla Sacramento, ainda a recordista portuguesa (3.57,71 minutos).
Salomé Afonso, lisboeta de 27 anos, está em clara subida de nível. Foi vice-campeã europeia nos europeus indoor de Apeldoorn e, nesta competição, foi a quinta melhor do seu continente.
Nos primeiros metros, a portuguesa andou na cauda do grupo, mas conseguiu ir galgando posições. Chegou a fazer acreditar que poderia terminar entre as 10 melhores, ficaria como 12.ª. É um crescimento brutal face aos últimos mundiais, quando foi 37.ª em Budapeste 2023.