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Medalhas a troco de nada? Josh Kerr, o campeão mundial refilão, não quer pagar para competir

O britânico reinventou-se e foi campeão mundial de pista coberta nos 3.000m quando é especialista nos 1.500m. O corredor não considera que os prémios atribuídos aos medalhados sejam suficientes para atrair atletas e fazer subir o número de eventos. Começam a surgir propostas para alterar o paradigma da modalidade

festeja título na prova de 3.000m nos Mundiais de pista coberto (Glasgow, 2024)
Jane Barlow - PA Images

Os óculos que se tornaram a imagem de marca de Josh Kerr deram-lhe uma visão embaciada pela tonalidade das lentes. O caminho à sua frente estava livre. Atrás de si tinha o detentor do título dos 3.000 metros em pista coberta e uma série de outros atletas que o tentavam apanhar. O britânico mostrava ser diferente da concorrência por correr à frente de todos, mas não só.

Os adversários que vinham atrás olhavam para uma presença rígida decorada com um fio dourado ululante e calções longos e justos. O dress code contrastava com o dos atletas na mesma pista. Josh Kerr roubou as luzes a quem tinha montado aquele espetáculo.

Em Glasgow, na Escócia, país onde nasceu, Kerr colocou-se à prova nos 3.000 e arrebatou a medalha de ouro nos Mundiais de pista coberta com o registo de 7:42.98. Com este tempo, ninguém diria que se tratava de um especialista nos 1.500 metros, vertente na qual se sagrou campeão mundial (outdoor) no ano passado.

“Os 1.500m são o meu amor e mal posso esperar por voltar a corrê-los”, mas “se és um bom corredor e tens mentalidade de campeão, podes correr em qualquer distância”, analisou no final da prova dos 3.000m onde o norte-americano Yared Nuguse e o etíope Selemon Barega completaram o pódio.

Uma política de desvalorização do esforço

Seja qual for a distância, os corredores são tão melhores quanto menos tempo durarem em pista. Às vezes, retirar apenas alguns centésimos de segundo ao recorde é merecedor de um bónus de produtividade. Depois de colecionar dois títulos mundiais em pouco mais de meio ano e ter chegado ao bronze (1.500m) nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, Josh Kerr reclama que não é dado o valor suficiente a quem alcança a glória das medalhas.

“Os números [prémios monetários para medalhados] são inferiores às taxas de participação atuais para atletas deste calibre. Precisamos encontrar maneiras de atrair atletas para competir mais e para estarem mais vezes frente a frente. Precisamos correr e de ter confrontos diretos e a forma de fazer isso é pagar aos atletas um bom dinheiro para competir em numa série de eventos”, reclamou.

Josh Kerr arrecadou cerca de 36.800€ com a medalha de ouro nos Mundiais de pista coberta. “Isto parece louco comparado com outros desportos.”


Depois de se ter sagrado campeão mundial dos 1.500m em Budapeste, Kerr destacou-se nos 3.000m em frente ao público do país onde nasceu
Jane Barlow - PA Images

Uma americanização que torne o atletismo mais cool

Soluções para tornar o atletismo num produto mais rentável continuam a piscar o olho aos competidores que atualmente não se sentem recompensados. A Winners Alliance apresenta-se como “uma solução comercial global centrada nos atletas, dedicada a unificar e liberalizar o poder coletivo dos atletas para que possam vencer dentro e fora do campo de jogo”. Em parceria com o antigo velocista, Michael Johnson, a organização pretende criar, em 2025, um circuito à parte que revitalize o atletismo - um pouco como o LIV, financiado pela Arábia Saudita, tentou fazer com o golfe.

“Os atletas são o evento principal. A NBA fez um esforço para colocar os seus atletas na frente e no centro e até mesmo a NFL, que sempre foi uma liga dirigida pelas equipas, também fez o mesmo”, defendeu, numa entrevista ao portal “Sportico”, Michael Johnson, norte-americano que, entre os 200 e os 400 metros, conquistou quatro medalhas de ouro em Jogos Olímpicos e oito em Mundiais.

A aposta na narrativa que a Winners Alliance quer juntar a esta nova competição promete assemelhar-se à estratégia de desenvolvimento que outros desportos têm adotado. Que o diga a Fórmula 1 que ganhou uma nova força desde que a Netflix se aproximou do desporto automóvel.

Dinheiro à parte, há contas a ajustar em Paris

Narrativa é o que não falta à carreira de Josh Kerr, que não descarta a participação na nova competição da Winners Alliance caso esta venha mesmo a surgir. Além da pista, o britânico tem disputado com Jakob Ingebrigtsen, com quem rivaliza nos 1.500 metros, uma guerra de palavras. Nos Mundiais de Budapeste, 27 centésimos de segundo separaram dois dos favoritos à medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Paris.


Josh Kerr e Jakob Ingebrigtsen são dois dos favoritas a conquistarem medalha de ouro nos 1500m nos Jogos Olímpicos de Paris
Tim Clayton - Corbis

O norueguês afirmou, em fevereiro deste ano, em Nova Iorque, que podia ter vencido “de olhos vendados” o adversário quando, na verdade, o britânico bateu o recorde mundial das duas milhas frente a Ingebrigtsen. Mais tarde, Kerr disse no Sunday Plodcast que o rival tinha “grandes fragilidades” e um “grande ego”.

Jakob Ingebrigtsen falhou os Mundiais de pista coberta devido a uma lesão no tendão de Aquiles. O corredor de 23 anos é o atual detentor do título olímpico dos 1.500m.