Há uma relação diretamente proporcional entre o tamanho das áreas técnicas dos estádios e o estado de intranquilidade de Vítor Bruno. Quanto maior o espaço dado ao treinador para se mexer à frente do seu banco e atrás da linha lateral, maiores as caminhadas que ele vai dando, gesticulando, acompanhando as jogadas, agindo à Vítor Bruno, como se fosse um polícia sinaleiro desesperadamente a tentar obter atenção.
No Olímpico de Roma, as dimensões colossais da área técnica deixaram este vício do treinador mais à vista que nunca. Naquele recinto mítico, contra a Lazio, os passeios de Vítor Bruno, circulando como um pai nervoso do lado de fora de um parque infantil, olhando para o seu filho sempre com medo que ele caia e parta a cabeça, parecem ter espoletado uma maldição. Tantos nervos, tanto gastar das solas do sapato, chamaram um trauma.
O trauma dos jogos fora de casa. Lazio: derrota nos descontos. Benfica: goleada histórica. Moreirense: eliminação precoce na Taça de Portugal. Anderlecht: empate cedido perto do fim.
E chegamos a Famalicão. A área técnica não é do tamanho da de Roma, mas a câmara principal de transmissão da partida, traiçoeira, mostra os treinadores no plano imediatamente anterior ao relvado. E lá estava Vítor Bruno, o nosso pai nervoso, inseguro quanto à capacidade que o filho tem para andar no escorrega e não partir a cabeça.
Famalicão: empate, quinto jogo seguido fora de casa sem ganhar. Há 10 anos que o FC Porto não estava tantas partidas consecutivas sem vencer como visitante.
Descrever o começo do jogo como um período de profundo domínio do FC Porto corre o risco de pecar por defeito. Durante a meia-hora inaugural, os visitantes instalaram-se no meio-campo do adversário e raramente de lá saíram, pressionando e roubando a bola rapidamente. Aos 20’, havia 70% de posse para os dragões, que já haviam tentado sete remates, face a zero do adversário. Mas o 1-0 dos locais, em cima do descanso, despertou os medos e os fantasmas.
Samu empatou, mas as voltas da bola ainda poderiam ter sido mais cruéis, não fosse a mestria de Diogo Costa nos penáltis, capaz de travar o 2-1 dos minhotos aos 78'. A derrota do Sportingnão foi devidamente aproveitada, oBenfica é o grande beneficiado da jornada. Reagindo ao sorteio do Mundial de Clubes, Vítor Bruno disse que a sua grande preocupação era com “os Messis do Famalicão”. Lionel não mora no Minho, mas o fantasma dos jogos fora de casa por lá anda.
Indo ao tal arranque de domínido da equipa que não ganha como visitante desde 28 de outubro, Samu foi o primeiro a tentar, Galeno e Martim também visaram a baliza de Zlobin, Fábio Vieira foi outro dos candidatos ao 1-0. O canhoto assustou no final do aquecimento, queixando-se de problemas físicos — Rodrigo Mora esteve para saltar para o onze —, mas manteve-se de início.
O primeiro verdadeiro ataque do Famalicão foi aos 29’, num tiro de Zaydou ao lado. O médio canhoto, internacional pelas Ilhas Comores, seleção que muito tem crescido no contexto africano (sim, leu bem, e até nem será descabido vermos esta equipa no Mundial 2026), é dos médios mais difíceis de desarmar do nosso campeonato, fugindo à pressão com a bola controlada como se os seus pés tivessem um íman.
Com o aproximar do descanso, o FC Porto foi perdendo ímpeto. Do lado do Famalicão, Ricardo Silva exerceu como técnico interino depois da saída de Armando Evangelista, tornando-se mais um caso do “jogador que ganha apelido quando passa a treinador”. Quando era futebolista, Ricardo Silva era só Ricardo, mas agora é Ricardo Silva, tal como Silas passou a Jorge Silas, Tulipa passou a Manuel Tulipa e Abel se tornou Abel Ferreira.
Até aos 43’, o Famalicão nunca tocou na bola na área do FC Porto. O primeiro toque de um jogador da casa na área dos visitantes foi de Rochinha. E, instantes depois, chegou o 1-0. Na primeira vez que os minhotos se aproximaram de Diogo Costa, o guardião não desfez o cruzamento e Aranda atirou para o 1-0. Minutos depois, os mesmos dois protagonistas estariam em lados opostos da felicidade.
No recomeço, o FC Porto até chegou rapidamente ao golo. Samu empatou aos 52', mas os dragões praticaram um futebol bem mais emperrado do que na madrugada do embate, menos esclarecido, permitindo, também, que o adversário atacasse com mais perigo.
Já quando os alertas do possível quinto jogo seguido sem vencer fora de casa para os dragões começaram a soar, veio o momento de caos do desafio. Aos 74', após canto para o Famalicão, Rafa Soares cruzou, com a bola a ser cortada por Pepê. Fiel ao gosto dos seus atacantes por contra-atacar, o FC Porto voou na transição, com Galeno a servir Samu para o 2-1. Fim do trauma visitante? Não.
Gustavo Sá foi o primeiro homem do Famalicão a alertar a equipa de arbitragem para a ilegalidade que precedera o golo. Pepê cortou o cruzamento com o braço. Intervenção do VAR e marcha-atrás no lance: golo anulado e penálti para o Famalicão.
Aranda e Diogo Costa, a dupla do 1-0, reencontrou-se. Mas, desta vez, o guardião travou o remate do espanhol, mantendo a igualdade.
Poderia ter sido o momento que catapultaria o FC Porto para o triunfo. Estar prestes a sofrer uma sentença de morte e sair vivo é algo que dá uma profunda injeção de entusiasmo, de otimismo. A equipa de Vítor Bruno, que apresentou meia equipa ex-Famalicão — Iván Jaime, Otávio, Francisco Moura, Nehuén Pérez —, pouco assustou os da casa no fim da partida.
O trauma acentua-se. Quando o jogo terminou, Vítor Bruno trocou as caminhadas na área técnica por uma caminhada para dentro do relvado, consolando os seus jogadores como o pai que entra no parque quando acabou a brincadeira. Ou, neste caso, o pesadelo de ser visitante.