Ténis

O sérvio Djokovic trouxe o Kosovo para Roland-Garros, onde não há regras quanto ao que tenistas podem, ou não, dizer

No final da sua vitória no jogo da primeira ronda do Grand Slam da terra batida, Novak Djokovic escreveu a frase “O Kosovo é o ❤️ da Sérvia. Parem a violência” no habitual momento para o tenista vencedor assinar na câmara de televisão, numa altura em que se registam confrontos no norte do país entre a minoria étnica sérvia e as forças policiais. Depois, o tenista defendeu a sua mensagem política: “como figura pública”, sentiu que “é necessário mostrar unidade neste tipo de situações”

Andy Cheung/Getty

Virou moda em grande catrefada de torneios de ténis, assim que o jogo termina, conceder uns segundos ao vencedor para se recompor, pousar a raquete, porventura acenar ao público, fazer o seu festejo e logo colocar-lhe uma câmara nas barbas e um marcador nas mãos. A simples ideia é pedir-lhes que assinem o nome no ecrã ou escrevam alguma mensagem na parca superfície disponível, é o que for, para ser lida por quem acompanha pela televisão e está na arena, pois a imagem é projetada nos ecrãs dos estádios. Em Roland-Garros é assim e, na segunda-feira, calhou a Novak Djokovic.

Titubeante esta época, o sérvio entrou a ganhar no Grand Slam da terra batida, batendo por 6-3, 6-2, 7-6(1) o inexpressivo Aleksandar Kovacevic, norte-americano que só no último set importunou quem já conquistou Paris por duas vezes (2016 e 2021). Quando a câmara se acercou de Novak, ele escreveu algo em cirílico e com o desenho de um coração no meio que exigiu tradução: “O Kosovo é o ❤️ da Sérvia. Parem a violência.” De repente, um dos tenistas mais conhecidos no planeta, com voz provocadora de ecos seja qual for o tema em que toque, decidira pronunciar-se sobre um delicado assunto político.

Declarado unilateralmente independente da Sérvia em 2008 - Portugal reconheceu o estatuto no mesmo ano, a par de outros 100 membros das Nações Unidas -, o Kosovo é um país nos Balcãs que alberga uma minoria étnica de sérvios, sobretudo na região norte do território onde, desde sexta-feira, se reacenderam os confrontos entre essa população, a polícia kosovar e elementos da KFOR, a força militar liderada pela NATO, que reforçou esse contingente esta segunda-feira - existirão cerca de 3.800 operacionais no país, estimou o “El País”. Dezenas de feridos já foram registados, entre eles jornalistas. Estes recentes confrontos surgiram em abril, após cidadãos da minoria étnica sérvia (representam nem 6% da população de 1,8 milhões) causarem distúrbios nas últimas eleições legislativas.

Nascido na Sérvia e filho de pai vindo ao mundo na outrora província kosovar, Novak Djokovic cedeu à sua politização no final do encontro em Roland-Garros, apesar de defender não o querer fazer. “Não sou um político e não tenho intenção de entrar num debate político, mas este tema é muito delicado e, enquanto sérvio, sinto muito tudo o que está a acontecer no Kosovo”, admitiu, na conferência de imprensa onde explicou o gesto que teve em court na sua língua-mãe: “É o mínimo que podia fazer. Como figura pública, não importa de que âmbito, sinto a responsabilidade de transmitir o meu apoio, especialmente como filho de um homem nascido no Kosovo. Não sei o que se vai passar com o povo sérvio e o Kosovo, mas é necessário mostrar unidade neste tipo de situações.”

A ‘norma’ alterou-se no último ano devido à invasão da Rússia à Ucrânia e guerra que causou, com muitos e muitas tenistas a serem questionados pelo conflito, a falarem abertamente e a demonstrarem o seu apoio a Kiev, seja nas cores do equipamento ou em adornos levados para o campo - e em cumprimentos não dados, como se viu, de novo e neste Roland-Garros, com a ucraniana Marta Kostyuk, que recusou estender a mão na rede a Aryna Sabalenka, nascida na Bierlorrússia, aliada da Rússia. Mas, antes da Europa voltar a ser palco de uma guerra aberta, as mensagens políticas no ténis vindas de quem o pratica, como no desporto em geral, eram incomuns.

A Federação Francesa de Ténis, uma das responsáveis por organizar Roland-Garros (a outra é a Federação Internacional de Ténis, na sigla ITF), esclareceu à Reuters que “não há regras oficiais para o que os tenistas podem, ou não dizer”, nem adotará alguma postura oficial sobre o tema. Por outras palavras, tal indica que Novak Djokovic ou outro qualquer não será multado, advertido ou punido por ter escrito a tal mensagem no final do encontro da primeira ronda do major francês. Mesmo se um castigo o esperasse, o dono de 22 Grand Slams não iria esmorecer neste tópico. “Não me contenho, voltaria a fazê-lo. A minha postura é clara: sou contra as guerras, a violência e qualquer tipo de conflito, como sempre o manifestei publicamente”, vincou o sérvio.