Todos temos embirrações muito próprias e a de Daniil Medvedev toda a gente conhece. Para se ser um dos melhores tenistas do mundo é preciso jogar decentemente em todas as superfícies, mas o russo tem uma pública desavença com a terra batida.
“Na primeira semana em que jogo em terra batida, eu odeio tudo à minha volta. Odeio estar em court, que é muito raro comigo. As minhas pancadas, os meus movimentos, o meu físico, nada se adapta à terra batida”, assumia Medvedev em 2021, ano em que foi pela primeira vez n.º 2 mundial e venceu o seu primeiro título do Grand Slam, no US Open.
O palmarés, esse sim, adapta-se às declarações de desamor de Medvedev pelo pó de tijolo. Até esta semana, tinha apenas uma final na superfície, em Barcelona 2019, onde perdeu para Dominic Thiem. Em Roland-Garros, o seu melhor resultado são uns quartos de final, em 2021. Há um ano, jogou pouco em terra batida, perdendo logo na 1.ª ronda em Genebra e chegando ainda assim à 4.ª ronda no Grand Slam francês.
Mas é possível que esta relação difícil esteja a amolecer. Daniil Medvedev, o tenista que odeia terra batida, acabou de vencer um dos principais torneios de terra batida do calendário.
O longilíneo e aparentemente atabalhoado natural de Moscovo é campeão do Masters 1.000 de Roma, depois de derrotar na final o enfant terrible Holger Rune, com um duplo 7-5, conquistando assim pela primeira vez um torneio na superfície que tanto desdenha.
Frente ao dinamarquês, que este ano validou o título em Munique e que havia já jogado uma final de um Masters em terra batida (Monte Carlo, derrota para Andrey Rublev), Medvedev soube dar estocadas definitivas nos momentos certos (quebrou Rune duas vezes a 6-5, fechando assim os sets) e os maus momentos que teve, principalmente no 2.º set, em que Rune entrou muito bem, foram rapidamente ultrapassados.
Num court massacrado pelo mau tempo que fustigou Roma ao longo da semana, a vitória de Daniil Medvedev ainda se torna mais surpreendente, num campo pesado, ainda mais lento e húmido, onde na véspera já tinha eliminado um dos favoritos, Stefanos Tsitsipas.
No final, o sempre desconcertante russo tinha na cara a surpresa escrita. “Normalmente odeio, odeio jogar em terra batida, não me sinto bem, nada funciona, podia continuar aqui para sempre”, começou por dizer, sublinhando, no entanto, que já em “Madrid e Monte Carlo” se tinha sentido bem: “Não fiz grandes birras”, atirou.
Já em Roma, conta, sentiu-se logo em boa forma nos treinos. “Até disse ao meu treinador: ‘Não sei o que se passa, mas sinto-me fantástico’”, continuou.
Com este triunfo, Daniil Medvedev entrará em Roland-Garros, daqui a uma semana, com um estatuto que, provavelmente, não esperaria. Num torneio que não terá Rafael Nadal, estará com Novak Djokovic e Carlos Alcaraz na lista de grandes favoritos. Na próxima atualização de ranking, será número 2, apenas atrás do jovem espanhol.
Estaremos, portanto, a assistir ao início de uma linda amizade entre Daniil Medvedev e a terra batida, ao jeito de Rick Blaine e do Capitão Renault em “Casablanca”. Sim, mas com parcimónia. “Amizade sim, mas eu não amo. Eu gosto é de piso rápido”, respondeu o moscovita, há muito radicado em França, curiosamente um país de pó de tijolo.
“Mas definitivamente gosto mais agora”, rematou, como quem não nega à partida uma ciência que está a começar a conhecer melhor.