Na ampulheta temporal do ténis, dois meses sem competir é uma catrefada, por muito que se faça por desempoeirar os ossos com treino atrás de treino. Novak Djokovic pôs-se à mercê de levar com essa acumulação de pó com a decisão, tomada há muito, de não se vacinar contra o microscópico bicho que nos estremeceu a vida e Londres, simbolicamente, proporciona-lhe um pequeno círculo a fechar-se: uns quilómetros para este na cidade, ganhou a Nick Kyrgios na última final de Wimbledon, um dos 21 títulos em que o speaker da Laver Cup tem de desdobrar a voz para enumerar ao anunciar a entrada do sérvio.
O público aplaude-o sem contenção, mas a extroversão do barulho não alcança a do que se ouve quando é apresentado o membro que falta da equipa europeia; apesar de ser o cabeça de cartaz da noite de sábado, Djokovic não tem honras derradeiras, essas são para Roger Federer, o colega do estrito bairro das lendas que se retirara dos courts na véspera e não é de agora que granjeia mais carinho de qualquer plateia. Aqui, mais ainda. “C’mon Roger!”, ouve-se alguém a gritar a piada quando o jogo do sérvio começa a servir no jogo contra Frances Tiafoe. A gargalhada é uníssona.
Linear também é o saque de Novak, que o fecha em branco e praticamente nenhuma reação motiva no primeiro par de vezes que vai ao banco. Estava a jogar bem, por cima do adversário, os companheiros nada lhe teriam a sugerir. Nem Roger, que dele ouve no dia anterior como “a precisão ainda está” no suíço após fazer uma bola passar no mais improvável das nesgas - entre um poste da rede e o, de facto, início da rede -, mas Federer levanta-se para encostar uma toalha nas costas do banco onde o sérvio descansa nos intervalos dos pontos. É bonito assistir à realeza do ténis a trocar gentilezas.
Uma preocupação demonstrada pelo conforto no costado não explica que, em 15 minutos, Djokovic já supere potente Tiafoe por 4-1. Talvez a pressa fosse mais chamada ao barulho, porque mesmo Novak sendo uma parede que tem o super poder de nunca estar quieta para devolver qualquer bola em estado mais trabalhoso do que aquele em que lhe chegou, a agenda deste segundo dia de Laver Cup escala-o para jogar dois encontros seguidos, com 35 anos. O seguinte seria de pares, ao lado de Matteo Berrettini e contra Alex de Minaur e Jack Sock, para testar a energia do campeoníssimo que foi polindo a sua lenda com essa ilusão de ser incansável.
O 6-1 fixado em 23 minutos parece um atestado a essa urgência e com certeza mais uma prova da grandeza de Djokovic, distinguível, entre outras, também por esta capacidade de banalizar adversários e vergá-los. “Tanto controlo depois de tantos meses, é impressionante”, admitiu até a chancela de Roger Federer, que em troca recebe um “obrigado” reverente de Novak, único momento em que interrompe o transe de concentração no intervalo entre sets. Constante e robótico, quebraria o serviço a Tiafoe logo ao primeiro jogo do regresso ao campo.
O americano que encosta o braço à testa e o dobra sobre a cabeça durante o gesto de servir quase devolve a atenção logo a seguir e, na vez seguinte em que marcador vai aos zeros, Djokovic leva-o às vantagens. O encontro recebe alguns sintomas de ser renhido e Federer tê-lo-á sentido com Andy Murray, ambos abeiram-se do sérvio no descanso para o aconselharem - o jogo seguinte é fechando em branco pelo constante sérvio, que sente a aragem de outro break logo a seguir que o semifinalista do último US Open salva, livrando-se dos cercos que o adversário lhe monta na rede.
Mas é o menos rodado competitivamente desde o solstício de verão que dita o ritmo, conjura os caminhos dos pontos e impõe a sua vontade. Frances consegue manter-se na disputa aprimorando a difícil arte de bater passing shots em corrida e Roger, Andy e a restante turma já se aprochegam de Djokovic nos intervalos. Vista cá de cima da bancada, é a preocupação a confundir-se com o incentivo: o sérvio do par de meses de inatividade fecha a partida com um 6-3, ficando com uma hora e doze minutos na mochila para a vindoura sessão em campo. Congratulou-se por “um jogo muito decente” da sua parte, em que “viu sempre bem a bola”, a falar ainda mais apressado ao microfone, porque dali por uns 20 minutos teria de se apresentar de novo no piso rápido.
Dedicou a maioria desse tempo a elogiar “um dos momentos mais bonitos” que já viveu, “certamente”, revelando como o seu coração badalou quando, na noite anterior, “os filhos” de Roger “apareceram” para segurar o pranto do pai. O comovido Djokovic admitiu “o privilégio” de ter estado presente no até já do suíço, que até as vezes de aguadeiro fez ao questionar o sérvio se tinha sede, num dos recreios do jogo.