Jogos Olímpicos de Paris 2024

Medalha de prata, coroa de ouro: Marta retira-se da seleção do Brasil sem o título olímpico

Era a hipótese de um final perfeito. Marta já tinha anunciado que, aos 39 anos, ia deixar a seleção depois dos Jogos Olímpicos. Levou a carreira na canarinha o mais longe que conseguiu, mas na final o Brasil perdeu contra os Estados Unidos (1-0). O escrete ficou com a medalha de prata e Marta com uma lacuna no palmarés

Robert Cianflone

Tempos houve em que as melhores equipas no futebol feminino não usavam o símbolo dos maiores clubes do mundo. Se tanto se perpetua que esta modalidade é um negócio, então a vertente em que são elas a tomar conta da bola começou por ser uma startup, um nicho onde se reconhecia existir potencial, mas que não era um investimento seguro. Possivelmente, chumbaria no escrutínio do Shark Tank.

Uma variante que parecia ter a força dum castelo de cartas construiu as suas muralhas, sustentou-se e criou pontes pelo mundo para que o fenómeno tivesse vias de transporte que o espalhasse pelo mundo sem ficar preso na alfândega. Nesse início, quando alguém vislumbrou que o futebol feminino era bom demais para ficar coalhado em algumas geografias, Marta era uma das jogadoras a guiar a revolução.

O cenário transformou-se. Veja-se como a final da Liga dos Campeões, em 2014, se jogou no Estádio do Restelo como uma banda que atua no palco secundário de um festival onde a final masculina, disputada no Estádio da Luz, era cabeça de cartaz. A equipa campeã europeia vai voltar a ser decidida em Lisboa, em 2025, mas no Estádio de Alvalade, num evento que vale por si mesmo.

Nessa final disputada em Belém, Marta representou o Tyresö, equipa sueca que perdeu o troféu para o Wolfsburgo. Tinha já sido cinco vezes melhor do mundo e ainda seria uma sexta, em 2018. O mediatismo que o futebol feminino alcançou enaltece-a mais agora, que está mais perto da reforma, do que quando ninguém neste planeta a superava em campo. Quem sabe por isso não tenha adiado o cessar de atividade, para poder sentir todo o reconhecimento que não teve quando jogava só para si.

A grandeza adiou-lhe a despedida da seleção até aos 38 anos, idade com que chegou a Paris para disputar os sextos Jogos Olímpicos da sua carreira, competição que, tal como anunciou, vai ser a sua última ao serviço do Brasil. Com a canarinha na final, Marta voltava a ter a oportunidade de conquistar um inédito título olímpico que lhe serviria de consagração ao sublime percurso.

JONATHAN NACKSTRAND

Na maioria das vezes, as superstições merecem ser descartadas por não serem mais do que meras defesas que a natureza humana acha que têm o destino decidido antes de se consumarem as ações. Mas, neste caso, dava tanta vontade de acreditar... Marta tinha duas finais perdidas e havia uma nuvem de esperança carregada daquela fé que se deposita nas terceiras vezes. Além disso, o Brasil escapou por um triz à eliminação na fase de grupos, apurando-se para os quartos de final como um dos melhores terceiros. Num lance infeliz, Marta foi expulsa contra a Espanha, deixando o escrete à mercê de ser eliminado enquanto ela cumpria suspensão.

O Brasil resistiu. Eliminou a anfitriã França, deixou por terra a campeã do mundo Espanha e marcou presença na final contra os Estados Unidos. No jogo de atribuição da medalha de ouro, a canarinha começou por marcar primeiro. Acontece que Ludmila tirou partido de posição irregular e o lance foi invalidado. Marta começou por apreciar o jogo do banco e aos 61 minutos saltou lá para dentro.

Emma Hayes foi contratada para treinar os Estados Unidos e evitar que a equipa deixasse de claudicar nos momentos decisivos. O Mundial 2023 foi o maior exemplo disso. De facto, a técnica proveniente do Chelsea conseguiu a primeira grande conquista e deu às norte-americanas o quinto título olímpico graças ao golo solitário de Mallory Swanson.

As superstições não são mesmo de fiar. Marta tinha a oportunidade de, ao fim de mais de duas centenas de jogos pelo Brasil, viver o final perfeito que merecia. Não o conseguiu. Vai deixar a seleção sem nenhuma medalha de ouro e sem o Mundial, as duas grandes lacunas do seu palmarés. Permanece o legado de uma rainha que abandona o seu trono com a terceira medalha de prata, mas com uma coroa de ouro.