Futebol internacional

Há 10 jornadas, Abel estava a 14 pontos da liderança. Agora o Palmeiras é virtualmente bicampeão brasileiro

Apenas uma tecnicalidade na diferença de golos não permite ao Palmeiras ser já tratado como campeão, mas o título será, com bastante certeza, confirmado na quarta-feira, depois da equipa de São Paulo vencer o Fluminense no domingo. Abel entrará na história do futebol brasileiro, tornando-se no primeiro estrangeiro bicampeão. E é possível que depois vá para outras paragens

Alexandre Schneider/Getty

As contas são feitas pelo Globo Esporte, usando mil e uma variáveis e um complexo método científico: depois da vitória de domingo frente ao Fluminense (1-0) e quando falta uma jornada para o fim do Brasileirão, a disputar já na quarta-feira, o Palmeiras tem 99,92% de probabilidades de ser campeão brasileiro.

Ou seja, é virtualmente campeão.

Vamos lá por dados mais simples e inteligíveis para quem se dá mal com a matemática: com três pontos de vantagem, na última jornada o Palmeiras até pode perder com o Cruzeiro e ser campeão, caso o Atlético Mineiro e Flamengo não vençam com diferenças pouco habituais no futebol, já que a equipa de São Paulo tem vantagem também na diferença de golos. Dando um exemplo, se o Palmeiras perder por 1-0 com o Cruzeiro, o Atlético Mineiro tem de vencer o Bahia por 8-0 para ultrapassar o rival.

Tudo isto parece feérico, impressionante e intrincado, mas não tanto quanto o feito que Abel Ferreira está prestes a alcançar. À jornada 27, ou seja, há 10 rondas, o Palmeiras era 5.º classificado do Brasileirão, a 14 pontos do líder Botafogo, que iniciou aí uma implosão que ficará na história do futebol brasileiro - equipa da Estrela Solitária chegou a ter 13 pontos de vantagem no topo da tabela e agora corre o risco de nem sequer se qualificar diretamente para a Taça Libertadores, destinada aos quatro primeiros do Brasileirão.

O treinador português de 44 anos está, então, a uma curtíssima distância de conquistar o bicampeonato brasileiro, algo que nunca um treinador não brasileiro conseguiu, e de se assumir definitivamente como o estrangeiro de maior impacto no futebol do país do outro lado do Atlântico, em termos de número e importância dos títulos conquistados. O Brasileirão de 2023 será o nono título desde que Abel chegou ao Palmeiras, em outubro de 2020, e irá juntar-se a dois triunfos na Taça Libertadores (2020 e 2021) ao campeonato brasileiro de 2022, à Recopa sul-americana de 2022, aos dois campeonatos paulistas (2022 e 2023), à Copa do Brasil de 2020 e à Supercopa do Brasil de 2023.

Breno Lopes festeja o único golo da vitória frente ao Fluminense
Ricardo Moreira

O jogo de domingo foi clássico Palmeiras de Abel. Frente ao Fluminense de Fernando Diniz, a jogar sem muitas das suas figuras, o Verdão marcou um golo na 1.ª parte, teve outros dois golos anulados e soube jogar com a estratégia do adversário, arriscando muito pouco e mantendo-se coeso na defesa. Num ano marcado por lesões e em que teve um plantel com menos soluções, Abel está prestes a deitar a mão ao título mais improvável, contando também com a consolidação do talento do menino Endrick, que aos 17 anos foi peça essencial no resgatar de um campeonato que ainda há um mês parecia algo do campo da fantasia.

As idiossincrasias do futebol brasileiro, cheio de exigências vindas das bancadas mas também de um calendário pejado de encontros que, entre estaduais, taças continentais e campeonato nacional, se joga praticamente ao ritmo do movimento de translação da terra, poderão afastar Abel Ferreira da cadeira do Palmeiras. Fala-se de uma proposta milionária do Al-Sadd do Catar, que poderia pagar a cláusula de rescisão da equipa técnica portuguesa, que tem contrato com o clube de São Paulo até dezembro do próximo ano. Abel, que ao longo destes três anos foi colecionando admiração entre as gentes do futebol brasileiro, mas também alguns rancores, deverá mesmo sair em grande. Inesperadamente em grande.

A memória e Taylor Swift

Não sendo homem de meias palavras, conhecido pela exigência, nem quando está a um milimétrico passo de fazer mais história Abel trava a língua. Na conferência de imprensa que se seguiu à vitória em casa frente ao Fluminense, o português fez questão de lembrar os difíceis primeiros tempos no Brasil e as críticas de que foi alvo.

“Eu perdoo mas não esqueço a forma como me trataram e a forma como me ofenderam”, sublinhou. E nem Taylor Swift escapou, já que o técnico culpa o recente concerto da cantora norte-americana no estádio do Palmeiras pelo mau estado do relvado do Allianz Parque. “Já que dizem que sou exigente, chato, não é? Este relvado tem de ser trocado urgentemente. Não quero saber quem vai pagar, mas não está em condições de continuar a receber jogos de futebol”.

No Allianz Parque já se festeja um título que, para já, apenas é virtual
Ricardo Moreira

“Se vocês quiserem vão lá fora ao relvado e vejam a quantidade de coisinhas que tem do espectáculo da Taylor Swift”, continuou o treinador natural de Penafiel, talvez referindo-se às missangas das pulseiras da amizade que os fãs da cantora usam.

Sobre o futuro e a possibilidade de deixar o Palmeiras depois de novo título conquistado, Abel preferiu, em certa medida, curvar o assunto. “Na primeira ou segunda Libertadores disse que ia parar e refletir, como faço todos os anos. Já disse noutras ocasiões que estava de saco cheio e isso não é mentira”, disse, explicando que “é difícil fazer jogos e viagens a cada três dias e ter entidades do futebol brasileiro que insinuam que você é isto ou aquilo”.

“Acham que isto é fácil?”, questionou ainda o treinador, que frisou que “três anos não são três dias” e que é “muito desgastante ser treinador no Brasil”, mas que também não é “ingrato”.

“Não está nada definido, vocês sabem”, apontou. “O mais importante é o jogo mais importante do ano. Queremos carimbar este título, porque neste momento não somos campeões e queremos muito ser”.

E o jogo mais importante do ano joga-se na madrugada de quarta para quinta-feira em Portugal, pelas 0h30 de Lisboa, no Mineirão, frente ao Cruzeiro.