Crónica de Jogo

Real Madrid, o porteiro do paraíso que barrou o Dortmund à entrada e ganhou mais uma Liga dos Campeões

De uma maneira cruel, deixando acreditar o adversário e depois tirando-lhe o chão, o Real Madrid conquistou a 15.ª Liga dos Campeões. Os merengues venceram o Dortmund por 2-0 em Wembley e reforçaram o estatuto dominador na competição. Oportunidades não faltaram aos alemães para levarem outro resultado. Fullkrug atirou ao poste num desperdício com que Carvajal e Vinícius Jr. não compactuaram
Alex Livesey - Danehouse

Apelidaram o Real Madrid de ultimate oponent, uma espécie de nível máximo de um videojogo. Talvez seja por isto, por mesmo num ato de camuflagem da essência dominadora serem capazes de vestir a pele adequada para se esconderem das frustrações e tornarem exíguas as oposições valiosas que enfrentam. Esta do Dortmund foi uma delas.

A bajulação da Liga dos Campeões ao Real Madrid criou nos adversários dos merengues um sentimento legítimo. Em vez de negociarem diretamente com o troféu a sua aquisição a troco da apresentação de obra futebolística de relevo, os pretendentes têm que negociar primeiro com o clube espanhol. Só o próprio Real Madrid se pode responsabilizar por tal norma. Agora com 15 Ligas dos Campeões, o capital maioritário da competição incumbe aos blancos a realização das regras.

Uma vez na final, os dois clubes separados por realidades distantes, estavam à mesma distância de conquistarem a Liga dos Campeões. Só que as unidades de comprimento não se ajustam à medição dos recursos disponíveis para chegar a um mesmo destino. É diferente viajar para a glória na passada supersónica de Vinícius Jr. ou no trote em pantufas de Mats Hummels.

Enfim, o Real Madrid precisou de carregar no botão de emergência para, em Wembley, chegar a mais uma orelhuda. Na verdade, foi essa versão conservadora que utilizou nos momentos de maior aperto ao longo da prova, em especial quando eliminou o Manchester City com uma exibição pouco espetacular, mas defensivamente exímia. Contra o Dortmund, inicialmente, a ideia dos blancos era não precisar de ressuscitar uma roupa no fim do período útil de vida. Por ter falhado cabalmente em aportar alguma diversão à primeira parte, a segunda teve necessariamente que ser diferente.

Não podia vir de outro sítio o caminho para a vitória. O telecomando de Toni Kroos, no último jogo da carreira ao serviço de um clube, bateu um canto tão decisivo como um penálti. Carvajal desviou ao primeiro poste e o Real Madrid, aos 74 minutos, colocou-se em vantagem. Vinícius Jr. fez o 2-0 e, tudo sanado entre o resultado e as intenções até certo ponto maléficas dos espanhóis, a tendência manteve-se.

BEN STANSALL

O segredo para ter uma boa saúde é tratar bem do coração. Por isso, o onze do Dortmund bateu palmas aos seus adeptos antes do espetáculo começar em Wembley. Mesmo na moderna alienação entre jogadores e bancada, este ainda é um procedimento que se vai mantendo, mas não quando a equipa já está alinhada no meio-campo defensivo e é preciso ir ao território do adversário no momento em que o árbitro está praticamente com o apito na boca. Soou a superstição para que, 11 anos depois, o azar fosse espreitar outros lugares.

À parte das responsabilidades que têm quando estão dentro do campo, Marco Reus e Mats Hummels fizeram um estágio na equipa técnica de Edin Terzic. O treinador disse que juntos trocaram experiências para que a derrota de 2013, contra o Bayern Munique, também em Wembley, não voltasse a acontecer. Por muito que se tente, a experiência de dois jogadores não é como partilhar a password da Netflix. Por muito que todos tenham acesso, nem todos conseguem ver o filme que é estar presente num contexto destes. O plantel do Dortmund era todo entusiasmo por jogar uma final da Liga dos Campeões, estar num estádio com capacidade para 90.000 pessoas e defrontar o Real Madrid num contexto megalómano.

NurPhoto

O primeiro grito de aqui mandamos nós que o Real Madrid deu em Wembley foi no anúncio dos onzes. Os escolhidos de Carlo Ancelotti foram divulgados três horas antes do pontapé de saída sem qualquer receio de que o Dortmund tivesse ainda tempo para fazer ajustes táticos de última hora. A ideia era tentar fugir ao clichê da lei do mais forte, mas assim fica impossível. Na ficha de jogo dos vencedores da La Liga não vinha nenhuma novidade extraordinária que não tivesse sido previamente anunciada. O guarda-redes Courtois fez apenas o quinto jogo esta época devido à impossibilidade que Lunin demonstrou para participar normalmente na semana de treinos devido a uma gripe.

Edin Terzic colocou pouca gente atrás e muita gente no meio para roubar uns parafusos à máquina ofensiva do Real Madrid. A estrutura (4X3X2X1) tinha Emre Can como epicentro. Sancho e Karim Adeyemi fecharam por dentro para permitirem que os médios interiores, Julian Brandt e Sabitzer, subissem na pressão a Kroos e Camavinga.

Os atacantes do Real Madrid eram abelhas a voarem dentro de uma colmeia. As movimentações em espaço reduzido eram muitas, os equipamentos amarelos e pretos a controlarem-nas também. Rodrygo, aberto na esquerda, era o jogador mais posicional. Os restantes, com exceção para os defesas, não chegavam a aquecer os vários lugares que iam ocupando. O ataque móvel prejudicou o início do processo defensivo dos merengues. A reação à perda da bola começou por ser errática, concedendo ao Dortmund uma multiplicidade de espaços.

Ian MacNicol

A modorra dos jogadores do Real Madrid foi interrompida por sobressaltos evitáveis. Niclas Fullkrug, o jogador mais adiantado do Dortmund, alongou, em queda, a posição do corpo para levar a bola a telintar no poste. Meigos com a bola no pé, Nico Schlotterbeck e Mats Hummels despejavam passes feéricos nas costas da defesa. Julian Brandt e Karim Adeyemi definharam as possibilidades do Dortmund chegar cedo à vantagem.

Nunca mais as oportunidades foram tão óbvias no jogo. O Real Madrid concretizou as poucas que existiram. Mais confortáveis em bloco baixo, os merengues retiraram a profundidade ao Dortmund e, a partir desse momento, as circunstâncias mudaram. Já com Marco Reus em campo, Fullkrug marcou um golo que foi tão anulado como o sonho do um muro amarelo, muro que, mais uma vez, é um muro de lamentações.

Bem dizia Nacho, capitão do Real Madrid: “Ainda que pareça que não, no campo, nós também sofremos”.