Vamos às grandes questões da humanidade: o que se segue à morte? Há vida no universo além da que existe na Terra? Como é que o Arouca terminou o primeiro terço da I Liga em último?
Concluída a 11.ª jornada do campeonato, o Arouca só tinha seis pontos, ocupando a 18.º posição da tabela. Na ronda seguinte, também estava em último, e na seguinte também. Até à 14.ª ronda, o Arouca encontrava-se em zona de descida de divisão. Eis um dos mistérios da existência, uma anomalia quando, equipados de amarelo, vivem Mujica, Cristo e Jason.
Este é o Arouca español. Mujica, um avançado de movimentação letal e finalização precisa, um canário formado no Barcelona que, em ano e meio de Arouca, já leva 30 golos marcados; Cristo, um rapaz de Tenerife que é todo arrojo e descaramento, condução e drible, veneno e audácia, um perigo que chegou a jogar na equipa principal do Real Madrid e que, esta temporada, soma 12 golos e seis assistências; Jason, um galego ex-Valencia ou Levante, de pés de veludo e sentido de baliza, que esta época marcou seis vezes e assistiu em duas ocasiões.
Como nos explicam no Parque Jurássico, “a vida encontra uma maneira”, life finds a way. Também o talento descobre caminhos e formas para repor a ordem natural das coisas. E lá foi o Arouca español obtendo os resultados condizentes com o talento que possui. Quatro vitórias nos últimos quatro encontros, sétimo lugar da tabela.
Numa noite em época de carnaval, o FC Porto (re) descobriu que hay mucha calidad no Arouca. Em setembro, na partida do prolongamento eterno e das comunicações por telefone, os dragões já haviam sido avisados para a arte que existe do outro lado. Agora, enquanto o país se sintonizava em debates de tempo alargado, os azuis e brancos sofreram ainda mais com esta versão estabilizada do conjunto de Daniel Sousa.
Mujica fez o 1-0. Cristo apontou o 2-1. Jason bailou e apontou o 3-1. O FC Porto, perseguindo sombras e rodeado pelas próprias dúvidas, parecia um espetador perdido nos truques alheios. A derrota (3-2), que deixa a equipa de Conceição a sete pontos do Sporting (que tem menos um encontro realizado) e do Benfica, dificulta ainda mais a luta pelo título.
A equipa da casa quis ser honesta, mostrando, logo de início, ao que vinha. Apito inicial, bola a circular por toda a equipa, da esquerda para o centro, do centro para a direita, rodando pelos defesas e pelo guarda-redes. Subitamente, um passe vertical foi na direção de Cristo e puff!, eis um truque de feiticeiro. Onde está a bola?
Cristo deixou-a passar, levando-a a encontrar-se com Jason. O trabalho do duo foi complementando por Sylla, que abriu em Cristo. O ex-Real Madrid cruzou, ou melhor, serviu Mujica, que aceitou a oferta. Primeiro minuto, primeiro golo, primeira demonstração de talento.
O FC Porto, inalterado na pele recente que Conceição o fez vestir, reagiu. Evanilson, o goleador do momento, procurava descer para ligar jogo, organizando ao mesmo tempo que finaliza. Aos 9', um penálti de Bambu abriu a porta ao empate dos visitantes. Evanilson foi eficaz e chegou aos 19 golos na época, oito só em 2024.
Galeno tentou completar a remontada, mas era do outro lado que se conjugavam melhor verbos em espanhol. Novamente pela direita, Jason deu para Pedro Santos, cujo cruzamento encontrou Jason. A finalização do galego encontrou o braço de Pepe, sendo assinalado penálti. Cristo, que parece jogar com a pose, o andar e a confiança dos diferentes, levou os locais para o descanso na frente.
No recomeço, houve novo desfile de carnaval, novo momento de disfarces e máscaras, de ilusões e esconderijos. Jason pegou na bola pela direita e foi acariciando-a, dando-lhe amor, balançando diante de Fábio Cardoso, um dos réus do desnorte azul e branco (acabaria expulso). Toque para dentro de pé direito, remate certeiro de 3-1, golazo.
Os homens do FC Porto olhavam-se como quem não entende totalmente a natureza do que lhe passa por diante da face. Sérgio Conceição lançou Taremi, que, devido à Taça da Ásia, não atuava na I Liga desde o final de 2023, e foi reforçando o ataque, também, com Gonçalo Borges, Iván Jaime ou Toni Martínez.
Aos 87', Francisco Conceição ainda deu esperanças para o terceiro classificado do campeonato. Pero no hubo empate, o triunfo ficou em Arouca, falando o idioma do talento e do virtuosismo.
Para o FC Porto, os sinais de renascimento e as indicações de um FC Porto 2.0 parecem ter dado em nada. Depois do nulo caseiro contra o Rio Ave, uma derrota contra o Arouca, um ponto somado em duas rondas e os rivais distanciando-se. Com o clube em convulsão, a forma como os adeptos se despediram a equipa foi a confirmação sonora dos tempos difíceis que vestem de azul e branco.