Até agora, o Sporting 2023/24 parecia seguir uma filosofia simples: o que de bom ou mau lhe acontecesse estava diretamente ligado àquilo que de bom ou mau fizesse Viktor Gyökeres, o caro, encorpado e enérgico ponta-de-lança sueco. Desde que chegou de Inglaterra, o nórdico das correrias potentes, da agressividade ofensiva e das desmarcações nas costas da defesa adversária tornou-se numa espécie de ponto de partida e de chegada para a equipa, foco que concentrava as intenções atacantes, as esperanças dos adeptos e até provocou reconhecidos ajustes nos planos táticos de Rúben Amorim.
Uma característica que saltou à vista em Gyökeres ainda antes do arranque da época foi a sua omnipresença, a capacidade para ser imune a lesões e estar sempre disponível. No entanto, uma mazela após a visita à Áustria ditou a indisponibilidade do sueco para a receção ao Rio Ave. E, sem ele, o Sporting começou a encantar e acabou a gerir, mostrando novas virtudes e velhos defeitos.
Paulinho e Edwards marcaram e destacaram-se, recordando que há talento em Alvalade além daquele que chegou recentemente. O português continua a sua campanha de reconciliação com a baliza, o inglês viveu a primeira noite de 2023/24 condizente com o enorme talento que tem. Quando a época de Gyokeres parou, a de Paulinho continuou e a de Edwards começou.
O novo Sporting foi buscar mais jogo interior, corporizado pela perspicácia de Hjulmand e Morita, a dupla de médios que joga com radar na cabeça, e melhor consistência defensiva — o Rio Ave só fez um remate à baliza. Mas, fiel a vícios antigos, teve duas faces.
Depois da festa do primeiro tempo, com velocidade e entusiasmo que não terminaram em goleada por falta de eficácia, a etapa complementar foi mais triste. Começou com um susto, já que o 2-1 foi anulado ao Rio Ave por escassos centímetros, e foi-se desenrolando com muito menos jogo de qualidade, terminando em modo poupança de energias. E com um susto provocado por Diomande, que saiu lesionado.
A entrada em jogo do Sporting foi de uma autoridade e qualidade poucas vezes vistas. Com frescura nas pernas, boas ideias na cabeça e entusiasmo na alma, a equipa da casa partiu para uma primeira parte de clara superioridade, dando pouca margem para a reação dos visitantes.
Logo aos 10’, o 1-0 surgiu num dos sinais de crescimento do Sporting versão 2023/24. Quando, num passado recente, havia um jogo excessivamente exterior, com muito cruzamento, agora há uma equipa bem mais capaz de ligar futebol por dentro, com combinações interiores, passes verticais e fazendo uso dos recursos técnicos dos seus protagonistas.
Foi assim que Morita, o ambidestro inteligente, pegou na bola e tocou em Pote, continuando sempre a correr a acompanhar a ação como alguém que não quer perder algo de importante. Pote deu para Edwards que, dando sinais do seu renascimento, fez a jogada prosseguir para Morita, que assistiu Paulinho. Aos 10’ da jornada 6 o avançado chegava aos cinco golos na I Liga, igualando o total da edição passada do campeonato.
O Rio Ave de Luís Freire era fiel à sua identidade, tentando pressionar alto e sair a jogar. Mas, no jogo de pares que o choque dos 3-4-3 de ambos os lados frequentemente promovia, havia um inglês capaz de desbloquear essa dança.
Marcus Edwards pode ter, muitas vezes, uma postura sonolenta e apática. Não começou bem a época, imerso num daqueles períodos em que parece não querer nada com a vida. Mas, para o bem e para o mal, o canhoto é um jogador diferente, com qualidade diferente, que vê coisas diferentes.
Aos 26’, após recuperação alta de Morten Hjulmand, que voltou a impressionar pela liderança no meio-campo, Edwards ficou com a bola junto à linha lateral. Sem espaço, inventou um golo por entre as pernas de Sávio, a oposição de Magrão e o poste esquerdo, desenhando uma finalização que só existia naquela cabeça peculiar e que só poderia ser executado por aquele pé esquerdo predestinado.
Com o Rio Ave a nunca incomodar Adán, a voracidade do Sporting ia prosseguindo. Paulinho e Edwards quiseram passar de goleadores e assistentes, mas, em duas ocasiões, Pote não aproveitou as solicitações dos companheiros.
A segunda parte começou a avisar que seria diferente. Freire fez entrar Zé Manuel, recuando Fábio Ronaldo, mais cómodo no papel de gazela que embala vindo de trás. O extremo sofreu uma falta de Coates e, na marcação do livre, Costinha fez o 2-1, instalando o desconforto em Alvalade. Por seis centímetros o Rio Ave não voltou à discussão do resultado.
Pouco depois, Nuno Santos esteve perto de marcar à antiga equipa. Mas os últimos largos minutos foram de bloqueio e escassa baliza. O Rio Ave, que vive da boa liderança do seu treinador mas tem um plantel curto devido à impossibilidade de inscrever jogadores, nunca mostrou capacidade para incomodar verdadeiramente Adán, que fez a sua primeira e única defesa aos 66'.
O Sporting pareceu assumir o papel da gestão, ainda que sem uma circulação de bola fluida, prejudicada por passes displicentes e receções comprometedoras. Francisco Trincão saiu do banco para ouvir alguns assobios após uma perda de bola que evidencia que o enorme potencial do canhoto está cada vez mais preso lá dentro.
O apito final chegou quando há muito era esperado, típico de um duelo há muito sentenciado. Da exibição de gala e da possível goleada o Sporting foi para uma noite bem mais modesta, mas mostrou que há vida além do sueco que tem sido o grande protagonista desta época.