Tensão sombria, penumbra permanente, um eterno nevoeiro, complexidade gélida. Tudo isto são características da literatura nórdica noir, feita de polícias soturnos e assassinos despojados de sentimentos. Mas, ao nível da Escandinávia, não é nada disso que se vê por Alvalade.
E daí talvez seja. É difícil olhar para Hjulmand e não ver ali uma frieza admirável, a cada corte corajoso e providencial, a cada risco calculado e ao mesmo tempo afoito no passe longitudinal. No ritmo de roda dentada oleada que dá ao jogo. Ou não ficar assustado com a força inesgotável de Gyokeres, da luta que dá a cada duelo, a cada movimento, com as arrancadas potentes que abrem espaços para que outros, não só ele, também possam brilhar, na mais perfeita social-democracia do norte da Europa em versão futebol.
Acontece que aqui não há sombras ou sustos, o brilho nórdico desta equipa é alegre quando se olha para o resultado, para o que ele traz ao Sporting, às bancadas de Alvalade que já os veneram. São de Hjulmand e de Gyokeres os dois primeiros golos que desbloquearam o jogo com o Moreirense, ainda dentro dos primeiros 20 minutos da 2.ª parte, e foram esses golos que resolveram o mistério e o quebra-cabeças em que se estava a tornar um encontro em que o Sporting foi surpreendido logo à entrada pelo Moreirense - forte numa primeira linha de pressão a dois e com um par de remates, um deles ao poste, a abrir o jogo - e, depois de estancar o mau arranque, se viu desesperado em falhanços, bolas aos ferros e duas ou três intervenções de nível do guarda-redes Kewin Silva.
Nessa 1.ª parte, já o meio-campo do Sporting era dirigido, numa chefia discreta mas eficaz, por Hjulmand, a servir como uma espécie de pivô no corredor central, um gasoduto por onde passava boa parte da corrente atacante da equipa da casa. Morita, braço direito no meio-campo, esteve também sempre muito em jogo, e é dele a primeira grande oportunidade do Sporting (14’), com uma bola ao poste e uma recarga que Kewin defendeu. Hjulmand teve também a sua muito particular bola ao ferro (29’), num remate cheio de efeito, dando evidências, confirmadas mais tarde, que o dinamarquês tem golo, algo que o distingue de Palhinha e Ugarte.
À meia-hora de jogo, o Sporting teve um golo anulado e anulado seria mais uma vez por Kewin Silva, que pouco antes do apito para o intervalo defendeu um primeiro remate de Nuno Santos para depois fazer novamente frente a Morita, no tiro de ressaca.
O início difícil parecia ultrapassado, mas o Sporting da 1.ª parte estava entre o perro do início e o pouco eficaz do final. De regresso para a 2.ª parte, Gyokeres falhou por pouco um remate de cabeça, mesmo antes de Gonçalo Franco quase surpreender o Sporting após uma saída de Adán da baliza para um corte. Um aviso para o Sporting de que este podia ser um daqueles dias.
Não seria. Aos 55’, um alívio para zona complicada e uma tentativa atrapalhada de Gyokeres de reaver a bola tornaram-se, subitamente, numa assistência involuntária para o aparecimento de Hjulmand à entrada da área. O remate saiu tenso e rasteiro e, à segunda, o dinamarquês marcava mesmo. Poucos minutos depois, Gonçalo Inácio lançou Nuno Santos na profundidade, onde voltou a fazer estragos, o ala picou o cruzamento e lá estava o tanque Gyokeres para o 2-0.
Ao contrário de outros jogos, a vantagem de 2-0 deu força ao Sporting, que buscou intensamente mais golos. O Moreirense audaz do início da 1.ª parte mal se viu, mas mérito para a equipa minhota, que foi a Alvalade tentar discutir o jogo. A barra ainda negou, novamente, mais um golo ao Sporting, por Paulinho aos 79’, e o 3-0 apareceu no último lance do jogo, por Diomande (curiosamente com formação nórdica também), após um canto.
Jogo muito bem controlado pelo Sporting, principalmente na 2.ª parte e depois de afastar o arranque forte do Moreirense no jogo. Sem nevoeiros ou suspense, mas com dois nórdicos capazes de enterrar um adversário à base de planos bem gizados e uma força inesgotável.