Por entre a neblina, no meio das rampas de percentagens de inclinação desumanas do Angliru, retas que parecem mais feitas para a escalada do que para o ciclismo, com tanta dificuldade em redor, lá estavam os três. A dois quilómetros do alto da mais exigente montanha de Espanha, o trio da Jumbo - Visma estava isolado, fazendo uma corrida só deles, expressando o seu domínio ditatorial.
Sepp Kuss, Jonas Vingegaard e Primoz Roglic são, por larga margem, os três melhores homens desta Vuelta. O norte-americano que se especializou em trabalhar para os demais, o dinamarquês que venceu as duas últimas edições do Tour e o esloveno que já ganhou a Vuelta em três ocasiões e que triunfou no passado Giro: eles fazem a sua Vuelta, tornando os demais em distantes espectadores.
No dia anterior já ficara evidente que ninguém esperaria por Kuss. Sim, o norte-americano é querido por todos, ajudou muitos a ganharem muito, mas isto é a Vuelta e, juízos de valor à parte, há uma das maiores corridas por etapas para disputar. Discutam-na à vontade entre vocês, parece ser esta a mensagem que vem de uma das mais organizadas, frias e competentes equipas do pelotão.
Roglic foi o primeiro a acelerar. Já perto do final em quilómetros, mas longe em sofrimento, o esloveno foi sozinho com Vingegaard. Kuss lutou para manter a sua camisola vermelha, apenas acompanhado de Landa, o espanhol que mais perto esteve dos Jumbo e que ainda deu uma ajuda ao norte-americano.
Na meta, Roglic foi o primeiro, ainda que o festejo tenha sido burocrático, pouco efusivo, nada condizente com o final de uma subida que forja lendas. Colado a ele chegou Vingegaard, 19 segundos à frente de Kuss. O homem do Colorado tem, agora, 8 segundos de vantagem para Vingegaard e 1.08 minutos para Roglic.
Em dia que convidava à loucura, Remco Evenepoel foi o mais ousado. Vestiu a sua capa de super-herói e atacou a mais de 60 quilómetros da meta, quando ainda faltavam duas contagens de primeira categoria antes do Angliru. Fez a Colladiella, 6,5 quilómetros a 7,9%, com a ajuda do seu companheiro Cattaneo, cujo trabalhou terminou antes do Cordal, 5,7 quilómetros a 8,5%.
Foram dezenas e dezenas de metros a subir feitos pelo campeão belga, o campeão do mundo em 2022, o ainda campeão em título da Vuelta, o canhoto que trocou o futebol pelo ciclismo para ser um corredor atacante, amante destas aventuras a solo, um jovem com aroma vintage, às competições de outro tempo, quando pioneiros iam assim, corajosos, em cavalgadas impossíveis.
Marc Soler, companheiro de João Almeida na UAE-Emirates que à partida da tirada era 6.º, tentou imitar Remco. Antes da primeira das montanhas atacou, tendo autorização da Jumbo para sair. Chegou a ter mais de um minuto de vantagem, mas foi caçado ainda antes da ascensão final e perdeu muito tempo, saindo dos 10 primeiros, o que permitiu ao português ganhar um lugar.
Na frente, tornou-se evidente que Remco não conseguiria mais uma vitória épica para juntar à sua coleção quando chegaram as rampas mais exigentes. O homem da Soudal - Quick Step ainda não conseguiu o hat-trick de triunfos em etapas na Vuelta, mas continua a escalar posições na escala do carisma e da fibra de vencedor.
O Angliru foi a história esperada, com a Jumbo a dominar. Nas primeiras rampas, João Almeida parecia sofrer, mas lá veio a recuperação do costume. O português foi galgando posições e acabou em sexto, à frente mesmo do seu companheiro Juan Ayuso, que muito sofreu.
Foi o regresso da versão consistente do caldense, escalando ao seu passo, pouco a pouco, mas sendo um dos melhores extra-Jumbo. É, agora, nono na geral.
A etapa 18 voltará a trazer alta montanha, com três contagens de primeira categoria. A Vuelta termina domingo e, até lá, o cada um por si da Jumbo continuará. Vingegaard diz que “adoraria ver Kuss ganhar a Vuelta”, mas as suas pernas parecem pouco dispostas a esperar pelo norte-americano caso isso seja preciso para que o desejo expressado suceda.
A classificação geral: