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A casa às costas

“Uma professora foi para o meu Facebook incentivar ao racismo. Fiquei chocado porque está a ensinar crianças de sete e oito anos”

Abel Camará, de 31 anos, fez formação no Oeiras, mas o seu coração foi conquistado pelo Belenenses. Chegou a ter uma proposta do Borussia Dortmund, mas começou a aventura de jogar fora na Roménia e experimentou depois o calor da Arábia Saudita, onde jogou com a cabeça ligada para disfarçar um penteado e ficou chocado com a forma como as mulheres são tratadas no país

Tiago Miranda

Nasceu em Lisboa. Quem é a sua família de origem e o que faziam os seus pais?
Os meus pais são da Guiné. Quando nasci a minha mãe era empregada doméstica e o meu pai trabalhava numa firma de construção de bobines, que já não existe. Tenho dois irmãos, Bailo e Luís Camará, um mais velho, o outro mais novo. Jogaram ambos futebol. O mais velho agora é treinador de miúdos numa escola em Inglaterra. O mais novo está em Portugal, a trabalhar como eletricista.

Cresceu onde?
Monte Abraão, Queluz.

Como era em criança?
Era um puto reguila, como a minha mãe dizia, parecia que tinha bicho carpinteiro no corpo, não parava quieto. Mas com o passar do tempo fui acalmando. Acho que ajudou ter entrado no futebol, gastava muita energia.

Gostava da escola?
Não gostava muito da escola, mas era bom aluno. O que os meus pais arranjaram para nos motivar foi dar-nos a prenda que nós queríamos se passássemos de ano, portanto, esmerávamo-nos, apesar de não gostar.

O que dizia que queria ser?
Muita coisa. Dizia que queria ser médico, depois queria ser polícia. Mas nunca tive um foco de uma profissão que dissesse, epá, quero ser isto ou quero ser aquilo.

Como surge o futebol?
Através do meu irmão mais velho, porque até aos 13 anos eu não gostava muito de futebol, para ser sincero. Mas como o meu irmão andava sempre para trás e para a frente a jogar futebol no Real Massamá, e os meus amigos começaram a fazer captações, eu, para não ficar sozinho na rua, ia com eles e comecei a ganhar o bichinho pelo futebol.

Quando foi à captação no Real Massamá ficou logo?
Não, ainda foi duro para ficar. Acho que mandaram-me embora umas duas vezes. Depois, um amigo chamado Adalberto Pinto, que jogava com o Pedro Mendes, é que me disse: "A melhor altura para vires aqui à experiência é quando está só a equipa porque assim o mister consegue olhar mais para ti, pode apreciar-te melhor". E assim foi. À terceira vez é que acabei por ficar no plantel.

Tinha quantos anos?
Uns 12 anos, era iniciado. Fiquei no Real Massamá dois anos. Depois vou para o Oeiras.

Porquê?
Porque no final da época há um treinador do Belenenses que me chama para treinar no Belenenses, eu fui, mas ele achou que eu ainda não estava com as condições necessárias para ficar no Belenenses e aconselhou-me a ir para o Oeiras, que nesse ano ia jogar também o campeonato nacional. "Ok, vamos lá". Fiquei quatro anos no Oeiras.

A casa às costas