As tenistas já se tinham cumprimentado, estava dado o passou-bem ao árbitro e seguiram para as formalidades do aquecimento, protocolar momento em que necessitam uma da outra, por mais adversárias que sejam. Qinwen Zheng, a mais novata, estava no fundo do court quando Aryna Sabalenka avançou no campo e lhe pediu que batesse umas quantas bola na sua direção, junto à rede, para as pancadas de volley. Tudo normal, mas, às tantas, a chinesa mediu mal uma delas e bateu a bola em cheio no corpo, obrigando a bielorrussa a desviar-se.
Atrapalhada, Zheng esbracejou várias vezes num pedido de desculpas enquanto Sabalenka gastou uns segundos de costas para ela - quando se virou, puxando outro perdão implorado pela adversária, Sabalenka vestia uma cara fechada a sete chaves, as feições carregadas, vulgarmente seria descrita como cara de má. Era o semblante de uma iminente campeã, a quem o descuido fortuito de Zheng só embalou ainda mais.
A mais experiente bielorrussa pouco demorou a fechar o primeiro set, rápida a disparar as suas poderosas pancadas, provavelmente da sua raquete saem as bolas mais fortes do circuito feminino, de nada servindo a Zheng a sua aptidão para bater serviços colocados com pinças. A face carregada de Sabalenka, concentrada nos píncaros para também lidar com um público da Rod Laver Arena que exultava mais pela tenista chinesa, continuaria no segundo parcial.
Sabalenka estaria já à espera dessa adversidade, semelhante ao ruidoso problema que enfrentara o ano passado, em Nova Iorque, onde sentiu a energia do maior estádio de ténis do planeta a empurrar a caseira Coco Gauff na final do US Open. A bielorrussa confessou ter sentido o peso de uma plateia desfavorável. Em Melbourne, era mais do que audível a proximidade com as hostes asiáticas, entusiasmadas, 10 anos depois, com o regresso de uma chinesa à final do Open da Austrália.
Nunca esse apoio pareceu beliscar a compostura da bielorrussa, que manteve as diligências poderosas no segundo set, mostrando aqui e ali a cara de enfado quando errava. Mas, constante, Aryna Sabalenka foi-se impondo a Qinwen Zheng, que jogava a primeira final no calor australiano e não travou o encontro da bielorrussa com um solene objetivo que tinha para a sua vida.
Há uns anos, pactuara com o seu pai que teria dois torneios do Grand Slam conquistados aos 25 anos, objetivo árduo e de difícil comprometimento pelas dificuldades que uma vida no ténis coloca a quem se aventure lá dentro. O progenitor de Sabalenka, entretanto, faleceu, ficando Aryna a carregar sozinha o sonho que desvendou na séria “Break Point”, da Netflix, lá com cara triste e solitária. Em Melbourne, terminou com ela cheia de sorrisos.
A meses de chegar aos 26, a tenista bielorrussa revalidou o título no Open da Austrália, cumpriu o sonho familiar. As fotos guardarão uma cara a romper em sorrisos: é a face de uma campeã de torneios do Grand Slam de pazes feitas com a sua história.