Ténis

A consistência possível de Sabalenka chega para derrotar a inconsistência de Gauff

Aryna, a tenista mais regular nos últimos Grand Slams, derrotou, por 7-6(2) e 6-4, a norte-americana, repetindo a presença do ano passado na final do Open da Austrália. Num duelo nem sempre bem jogado, com erros de ambos os lados, a estabilidade que a bielorrussa vem encontrando revelou-se decisiva

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Quase tudo na vida é relativo, não absoluto. Funciona por comparação. Ser uma tenista sólida pode significar cometer cometer zero duplas faltas e cinco erros não forçados, mas, se a tua adversária fizer oito duplas faltas e 28 erros não forçados, então duas duplas faltas e 20 erros não forçados pode significar consistência quanto baste.

Se a regularidade, noutros campos do ténis, é ganhar majors uns a seguir aos outros, pontuando temporadas erguendo torneios do Grand Slam como quem conta a passagem das estações do ano, no WTA ela significa outra coisa. Regularidade assinalável, aqui, significa estar em seis meias-finais dos quatro maiores eventos seguidas ou chegar duas vezes consecutivas ao derradeiro encontro na Austrália.

Nesta natureza relativa das coisas, Aryna Sabalenka, número dois do ranking, possui a consistência possível tendo em conta a essência volátil e incerta da WTA. Talvez por isso, numas meias-finais pontuadas a erros e desacertos, impôs-se, por 6-7 (2) e 6-4, a Coco Gauff, a número quatro do mundo, verdadeira exemplar da montanha-russa que pode ser o circuito profissional feminino, capaz de cair na primeira ronda da última edição de Wimbledon e, depois, de ganhar o US Open.

Desde 2017 que nenhuma mulher estivera em duas finais do Open da Austrália seguidas. A última a lográ-lo fora Serena Williams, que em tempos classificou Sabalenka como “mini Serena”, pela potência nas pancadas e agressividade tenística. Aryna repete, agora, o feito da mítica norte-americana, estando na corrida por repetir o triunfo de 2023 em Melbourne e consolidar o estatuto de mais regular jogadora nos majors recentes: meias-finais no US Open 2022, título na Austrália em 2023, meias-finais em Roland-Garros e Wimbledon 2023, final no US Open 2023, final em Melbourne em 2024.

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No pride day do Open da Austrália, o dérbi da Florida — onde Gauff nasceu e Sabalenka reside — reeditava a final do último US Open. Em Nova Iorque, o triunfo foi da norte-americana, o major inaugural para um fenómeno adolescente que, apesar de já a conhecermos há várias temporadas, só tem 19 anos, o que soa quase a impossível para quem, em 2019, já andava a chegar à quarta ronda de Wimbledon.

O arranque do embate foi de contrastes, com Sabalenka abrindo com um ás e Gauff com duas duplas faltas. Aryna quebrou o serviço da adversária logo à primeira oportunidade e abriu, logo ali, distâncias no marcador, mas cedeu o seu saque de seguida. A norte-americana voltaria, no entanto, a ser quebrada e, a 5-4, a bielorrussa serviu para fechar o primeiro set.

Só que a consistência possível de Sabalenka, a tal regularidade comparativa, não significa total consistência, não quer dizer que haja um pleno de acertos. A número dois do mundo tem um ténis que se baseia em esmagar consecutivamente a bola com a sua direita, fazendo do seu braço um martelo humano, mas esse jogar em potência, unidimensional, leva-a a ter escassa margem de erro, a ficar à mercê de flutuações na precisão das bombas que envia do fundo do court.

Quando serviu para vencer o primeiro parcial, Aryna foi irregular, cometeu uma dupla falta e deu vida a Gauff. Inaugurava-se, ali, a fase mais errática da meia-final, com três serviços perdidos em quatro jogos, uma série de equívocos que deixou evidente que o encontro seria vencido por quem se enganasse menos.

No tie-break, esse mérito foi de Sabalenka, que encontrou a estabilidade que, recentemente, vem apresentando, uma calma entre o fogo das suas pancadas em potências. Do outro lado, a direita de Gauff apresentava a conhecida fragilidade.

Na segunda partida, a regularidade dos serviços foi recuperada. Gauff até arrancou o set com duas duplas faltas, imitando o começo do parcial anterior, mas a tendência foi oposta ao que viramos minutos antes. Depois desse começo titubeante da mais jovem das tenistas, os saques prevaleceram, com quatro jogos de serviço em branco, dois para cada uma.

Após 14 pontos consecutivos terem ido para o lado de quem iniciava as jogadas, só voltou a haver dúvidas a 3-3. Gauff regressou à sua versão errática, mostrando até uma face de preocupação, expressão clara de quem sabia não ter margem de erro. Sabalenka teve mesmo um ponto para quebrar o serviço de Coco, mas desperdiçou-o com uma esquerda demasiado longa.

A 4-4, nova oportunidade para a mulher do leste da Europa. A norte-americana, uma vez mais, entrou num preocupante buraco de rendimento, acumulando bolas imprecisas, ora demasiado longas, ora embatendo contra a rede.

Sabalenka obteve o break definitivo e fechou para atingir a final. Ainda cometeria mais uma dupla falta, um erro num momento decisivo, demonstrando que não tem consistência absoluta. Tem a regularidade possível, a estabilidade por comparação, o suficiente para se impor e aspirar ao bis em Melbourne.