Ténis

E, inesperada e cabalmente, Sascha Zverev esvaziou Carlitos Alcaraz

O alemão consegue aos 26 anos o seu momento mais alto em torneios do Grand Slam, ao surpreender o número 2 mundial por 6-1, 6-3, 6-7(2) e 6-4 nos quartos de final do Open da Austrália. A viver momentos tumultuosos fora de court - em maio responderá em tribunal por violência física contra uma antiga companheira - Zverev foi taticamente mais inteligente que o espanhol, a quem o imenso talento apareceu de forma intermitente ao longo do encontro. Segue-se Daniil Medvedev

WILLIAM WEST

O arsenal técnico de Carlos Alcaraz é tão vasto que por vezes parece que apenas o físico pode tramar o espanhol - ou alguém de carapaça tão dura quanto Novak Djokovic. É raro vê-lo sem soluções, ele que as tem aos trambolhões, talvez mais do que qualquer tenista que tenhamos visto até hoje, e raro é vê-lo sem um sorriso. Mas nos quartos de final do Open da Austrália, frente a Alexander Zverev, o espanhol foi esvaziado do seu talento, inesperadamente, porque o alemão não pareceu, ao longo dos últimos dias, o homem com mais capacidade para o fazer nesta quinzena australiana.

Mas a espectacularidade do jogo do espanhol, a sua coragem nos momentos mais cortantes, a variabilidade de pancadas, só apareceram de forma intermitente e de intermitências não se faz um campeão de um torneio do Grand Slam. Nos dois primeiros sets, Zverev foi infinitamente mais sólido, Alcaraz surgiu incaracteristicamente em dissonância com o seu enorme e indiscutível jeito para a coisa e apenas no final do terceiro set e posterior tie-break atinou, para logo a seguir voltar a cair numa espécie de teia de aranha desenhada pelo dia perfeito de Zverev, que acabaria por vencer por 6-1, 6-3, 6-7(2) e 6-4, na sua primeira vitória num torneio major frente a um top 5.

A quebra de saque infligida por Zverev a Alcaraz logo no primeiro jogo de serviço do espanhol não seria apenas um pequeno percalço, mas sim a tónica do encontro. O primeiro set é mesmo de ausência do espanhol, que disparou 11 erros e, pior ainda, apenas dois winners, ele que tem a capacidade de os inventar de qualquer maneira e feitio. Quando essa máquina de fazer winners não está oleada, o jogo de Alcaraz sofre: ganhar jogando mal não é algo a que o espanhol esteja muito habituado. A castigar toda e qualquer bola menos incisiva do murciano, Zverev voou no primeiro set, que fechou com um ás, como quem assina com statement uma superioridade que era tão surpreendente quanto evidente e que se iria manter no 2.º parcial, mesmo que Alcaraz tenha levantado, finalmente, o olho.

MARTIN KEEP

Mas aos fios de ouro que se bamboleavam graciosamente no pescoço do alemão, Alcaraz não conseguia responder com alquimia análoga. Os amorties saíam anormalmente curtos (ou demasiado longos), as subidas à rede pareciam inusitadas. Alcaraz parecia com pressa. Demasiada pressa. Zverev, por seu turno, beijava com as suas pancadas fundas todas as linhas, aproveitava todo o campo que lhe era dado. Os pontos longos, que deveriam ser feudo espanhol, também lhe sorriam.

Só ao 3.º set surgiu alguma dessa fantasia que rebenta nas mãos do espanhol, que se viu a perder por 5-2, mas, emulando o seu deeper Nadal, devolveu a fineza a Zverev quando o alemão servia para fechar o encontro. Nesse momento, parecia que finalmente se alinhava o mantra do jogador de El Palmar, apenas 20 anos ainda, cabeza, corazón y huevos, dizia-lhe o seu avô, e Alcaraz tem-nos de sobra. O tie-break foi um festival de passing shots, esquerdas inside in e demais estrangeirismos em forma de pancada. E o jogo parecia estar pronto para virar.

Só que Sascha soube vender o espectáculo, até esvaziar de novo um balão que Alcaraz ameaçava encher. Algures no 4.º set, o encontro atingiu o seu zénite, os dois tenistas em pleno voo celestial, com a qualidade de jogo e entretenimento a atingirem níveis verdadeiramente altos, já para lá da uma da manhã em Melbourne. Houve bolas impossíveis salvas, logo seguidas de erros imperdoáveis, mas sobraram os highlights. E aí, inesperadamente, Zverev foi taticamente mais afoito, apoiado numa esquerda que raramente o abandonou e ajudado por um Alcaraz que terá transpirado demasiada confiança. As extemporâneas subidas à rede voltaram a aparecer e Zverev castigou-as todas. No 4-4 quebrou o espanhol e, ao contrário do set anterior, não permitiu a reação do número 2 mundial, fechado com um 6-4 que tira ao adepto a final que desejava: um reencontro de Carlitos com Novak Djokovic.

Julian Finney

Depois de ter agarrado dois encontros que se estenderam até ao tie-break da quinta partida, Zverev foi surpreendentemente sólido frente a um Alcaraz inconstante. Desportivamente, é um momento importante para o jogador de 26 anos, para quem os torneios do Grand Slam sempre pareceram montanhas demasiado altas para escalar, apesar de até ser o campeão olímpico em título. Nos momentos críticos, Zverev nunca pareceu feito da massa dos campeões, aos 26 anos, tal como outros da sua geração, parecia tentar agarrar o tempo com as duas mãos, não conseguindo travá-lo face ao aparecimento de tipos mais fortes, mais talentosos e mentalmente duros, como Alcaraz ou até Jannik Sinner. Mas talvez possa ter chegado o momento de Zverev, que terá agora pela frente o jogador da sua fornada que mais se conseguiu aproximar de Djokovic, Nadal e Federer: Daniil Medvedev.

Tudo contrastando com o que se passa fora dos courts: já durante o Open da Austrália, Zverev soube que terá de responder num tribunal de Berlim a acusações de violência física contra uma ex-namorada - e já é a segunda mulher que o acusa de agressões físicas e psicológicas. O julgamento começa em maio e também já começou nas bancadas de Melbourne Park, de onde dificilmente receberá amor.