A única coisa que Kika Nazareth esconde são as suas intenções no campo, onde faz uso da subtil arte do engano para iludir as rivais. Fora dele, a jovem de 19 anos é transparente, direta, frontal, e nada disso muda minutos depois da sua primeira partida num Europeu a nível sénior. Na zona mista da Leigh Sports Village, em conversa com a Tribuna Expresso, Kika começa por mostrar que ainda tem "a boca toda rebentada", sequelas da amigdalite que a atormentou desde que, na segunda-feira (4 de junho), a seleção nacional chegou a Manchester.
Por ainda não estar nas suas melhores condições físicas, a criativa começa o Portugal-Suíça no banco. A fama de Kika parece já ter chegado a Inglaterra, já que o speaker do estádio, antes do apito inicial, refere que a ainda adolescente é a "estrela ascendente do futebol português". Mas esse talento começa por ver o encontro no banco, só saindo de lá aos 77 minutos.
No pequeno corredor que serve de zona mista em Leigh, Kika é das mais solicitadas, revelando mesmo alívio por não ter de voltar a responder em inglês. Do que assistiu estando no banco, a jogadora acha que Portugal entrou "mais nervosa" por estar "neste contexto", o qual "não é novo, mas também não é completamente habitual". Aos cinco minutos, a seleção nacional já perdia por 2-0, mas a segunda parte foi "excelente", classifica Kika, que festejou os golos de Diana Gomes e Jéssica Silva abraçada a Telma Encarnação e Fátima Pinto, que com ela estiveram boa parte da etapa complementar a aquecer.
Aos 77 minutos, a jogadora do Benfica entrou em campo, tempo suficiente para combinar um par de vezes com Telma e aproximar Portugal do golo do triunfo. Para Kika, "entrar é muito mais difícil do que começar de início" e, desta feita, tocou-lhe participar no "jogo mais intenso" da sua carreira, confessa à Tribuna Expresso numa altura em que, do outro lado da parede, várias crianças se aproximam do autocarro de Portugal para conseguirem alguma recordação das jogadoras.
Participar no primeiro jogo do Grupo C era, ainda há poucos dias, um horizonte distante para a centrocampista ofensiva. Durante a maior parte da semana, Kika diz ter "vivido numa cama", brincando as companheiras com ela ao dizerem-lhe que "estava num bunker": "Foi uma semana chata, porque só hoje [sábado] é que me apercebi de que estava, de facto, num Europeu, porque só ontem tive a possibilidade de treinar. Foi complicado estar sempre de fora a vê-las... Parecia que estava afastada do resto da equipa", comenta.
Kika fala intercalando frases e ideias como conjuga gestos técnicos, sempre com uma energia de alta rotação — por isso vê-la, na quinta-feira, agasalhada e parada num canto da pequena bancada do campo de treinos onde a seleção trabalha na academia do City foi visão tão estranha — e faz uma pausa para dizer que "teve problemas de saúde", mas "atenção", porque há "coisas muito piores".
No geral, a segunda mais jovem das 23 presentes no Europeu acredita que, "coletivamente", a seleção foi "excecional", com uma "segunda parte excelente". Ainda assim, Nazareth entende que, "se calhar", Portugal não conseguiu a reviravolta por "falta de frieza".
Mesmo perante a forte hipótese de não ter estado apta para entrar em campo contra a Suíça, a jogadora manteria a fé nas suas colegas: "Poderia continuar de cama, mas acredito nelas. Não é uma jogadora, é a equipa toda", sublinha, olhando, em simultâneo, para o futuro, ao avisar que "temos mais dois jogos pela frente" que, "se deus quiser", até podem ser "mais um, ou dois, ou três".
O conforto e elaboração das respostas de Kika levam a que, à medida que vai falando, outras colegas passem pela zona mista. Diana Gomes e Diana Silva são as duas últimas, ficando só Kika. Para a segunda partida, contra os Países Baixos, Kika assegura "não pensar" na titularidade, porque "quem está dentro dá a vida por quem está fora e quem está fora dá a vida por quem está dentro". E volta a reiterar que "o que importa é a atitude", algo que Portugal "tem mais do que qualquer outra equipa".
"Sabemos de onde viemos, mas é aqui onde queremos estar melhor. Vamos jogar contra duas equipas do top 3 ou top 5 [Países Baixos e Suécia], temos noção do que temos à frente, mas vamos confiantes. Somos Portugal e acabamos sempre por jogar à Portugal", atira Kika, saindo do pequeno corredor em direção ao autocarro da seleção ouvindo votos de melhoras.