Em outubro último, ainda em França, o frenesim motivado pelas proezas logradas por portugueses a correrem na companhia de uma bola oval incandesceu o entusiasmo em torno do râguebi. À segunda participação em Mundiais, a seleção nacional estreou-se a ganhar um jogo, contra as Ilhas Fiji, já após ter empatado com a Geórgia, em ambas as ocasiões munida da velha fórmula portuguesa do jogo atacante, com rápidas trocas de bola à mão e a dar espetáculo a quem vê. Alguma impressão terá deixado: ainda hoje, no site oficial do Mundial de 2023, um dos artigos em destaque é sobre Portugal e titula-se com Patrice Lagisquet, o então selecionador e “homem que desbloqueou o potencial” dos ‘Lobos’.
Quando o Campeonato do Mundo ainda se jogava e por entre os elogios, olhou-se para a classificação final de Portugal e ponderou-se uma hipótese face à disposição final do seu grupo. Liderado pelo País de Gales e tendo logo atrás as Fiji, seleções que avançaram para os quartos de final, o terceiro lugar ficou para a Austrália, pela primeira vez incapaz de chegar à fase a eliminar. Quem termina nessa posição fica com a consolação de garantir o apuramento direto para o Mundial seguinte, mas, sendo os vizinhos dos cangurus os anfitriões da próxima edição do torneio, a sua presença está assegurada. Pela lógica imediata, pensou-se então que a vaga poderia passar para o 4.º classificado, que sabemos quem era.
A própria Federação Portuguesa de Râguebi (FPR) abraçou essa hipótese e inquiriu a World Rugby, na altura, como noticiou a Tribuna Expresso. O Mundial terminou, a África do Sul revalidou o cetro de campeã, os meses passaram e a possibilidade de Portugal receber tal brinde acabariam por se esfumar. “Isso não vingou porque realmente não seria o processo mais transparente”, reconhece Carlos Amado da Silva, o presidente da federação. “Eu próprio cheguei a pensar nessa situação”, admite quem, no entanto, realça o papel que o país ainda amador no râguebi teve na formulação do novo processo de qualificação rumo ao Campeonato do Mundo de 2027.
Em termos oficiais, apenas se sabe que o próximo torneio terá 24 seleções e essa expansão já fora confirmada pela World Rugby aquando do final da prova que França organizou. A entidade ainda não se pronunciou sobre como será determinado quem fica com as novas vagas, até porque a discussão para haver um consenso não foi fácil “porque há um desequilíbrio muito grande entre os vários continentes, com prevalência da Europa que vai aumentar quatro nações”. Carlos Amado da Silva conta que participou “ativamente neste processo” em Paris, “durante e depois do Mundial”, revelando que “havia países muito céticos em relação a este alargamento”. No caso, as nações mais fortes do râguebi, donas de uma tendência para se apegarem ao domínio que têm sobre o mundo da oval.
Explica o líder da Federação Portuguesa de Râguebi que “a prevalência da Europa vai aumentar” no sistema de qualificação, que vai começar já no próximo ano com o Rugby Europe Championship. A edição de 2025 do Seis Nações B vai dividir as seleções por duas séries e Portugal ficou emparelhado com Roménia, Bélgica e Alemanha, adversários que venceu na prova deste ano; a outra série será composta por Geórgia, Espanha, Países Baixos e Suíça. A disposição destes grupos já era pública, o que advirá da classificação final é que não - os dois primeiros classificados terão acesso ao Mundial de 2027. Como tal, a seleção nacional, à partida, nunca encarou tão risonhas possibilidades de se qualificar diretamente para o maior torneio do râguebi.
Nas duas vezes (2007 e 2023) que os ‘Lobos’ lá chegaram apenas o conseguiram à última, fruto da repescagem que atribuía a derradeira vaga no torneio. E em ambas as ocasiões o apuramento foi determinado com um grupo único no Rugby Europe Championship. “Nós temos todas as possibilidades, desde que trabalhemos, naturalmente, para fazermos história e irmos ao Mundial duas vezes consecutivas”, aprova Carlos Amado da Silva, não querendo que as suas palavras se interpretem como falta de modéstia, mas antes como um sintoma do crescimento do peso do país nas discussões ovais: “A posição de Portugal foi absolutamente decisiva porque, de facto, compreendeu-se que além do top-10 também há nações que merece outro tipo de possibilidades, sobretudo, comparando com outras nações que estão no Mundial de muito menor qualidade.”
A quinta melhor seleções do Seis Nações B do próximo ano - a determinar, previsivelmente, pelo somatório de pontos, ensaios marcados ou outras métricas em caso de empate - ainda terá hipótese de chegar ao torneio, porque será repescada para a tal última prova de qualificação que juntará homólogos de África, América do Sul e Ásia. Caso uma nação europeia prevaleça por essa via, a Europa terá 11 representantes no próximo Mundial, algo inédito. Houve um “reforço substancial da Europa”, atesta o presidente da FPR, “porque, de facto, é o continente onde há mais e melhor râguebi”, ao explicar que “nos outros há um ou dois países mais qualificados, mas os terceiros e quartos são claramente mais inferiores”.
A constatação que não agradou a toda a gente “obrigou a um processo de negociação mais complicado” que beneficiou a Ásia em detrimento da América do Sul: o primeiro continente ficou com a vaga de apuramento direto que pertencia ao segundo. A World Rugby, por enquanto, nada confirmou. Aquando do lançamento do site oficial e da imagem do Campeonato do Mundo de 2027, a entidade apenas referiu, via comunicado, que os “detalhas do processo de qualificação” rumo ao próximo torneio seriam “determinados após uma revisão completa” da competição que decorreu em França e uma “consulta das federações” nacionais e regionais.