Era certo e sabido, além de assumido quer dentro da Federação Portuguesa de Râguebi (FPR) como por quem orbita em torno da entidade, que a intenção era repetir, nos moldes possíveis, a fórmula bem-sucedida aplicada à seleção nacional: arranjar um treinador francês ou de arraiais em França, conhecedor do terreno de movo a privar com a fauna de clubes locais e os respetivos jogadores luso-franceses que por lá abundam. Saído Patrice Lagisquet após o brilharete no Mundial, levando com ele rumores de que a separação não foi pacífica, a federação teve de emendar a mão apressada com que tentou logo substituí-lo. Já lá iremos.
Seis meses contados desde a excelsa vitória em Campeonatos do Mundo, em outubro de 2023, aparecida 12 anos volvidos da primeira participação no torneio, ressurgiu a crença de que seria desta que o râguebi português iria dar pulos de crescimento rumo à profissionalização. Mas só agora, em abril de 2024, Portugal tem um novo e definitivo selecionador nacional para apresentar, ultrapassadas as várias lombas na estrada. De novo, lá chegaremos.
Simon Mannix foi o escolhido pela federação. Veio ao mundo na Nova Zelândia, jogou râguebi durante 12 anos como médio de abertura, representando os Hurricanes, uma das equipas do seu país, no Super Rugby. Cedo se meteu num avião rumo à Europa, onde correu pelo Sale e o Gloucester na Premiership inglesa bem depois de se estrear pelos All Blacks, em 1994. Deixou apenas um test match feito pela seleção mais popular do râguebi, apesar de ter sido chamado para vários encontros, fruto da coincidência com Andrew Mehrtens, um dos melhores 10 da história. Terá guardado outra, mais feliz, da única aparição que teve pela Nova Zelândia: aconteceu no mesmo jogo, contra a França, em que Jonah Lomu, a primeira estrela global do râguebi, chegou à seleção neozelandesa
Encerrada a carreira de jogador, em 2001, o nascido na terra onde há postes de râguebi em cada vila e aldeia fixou a vida de treinador no país que melhores salários paga na Europa a quem faz vida da bola oval. A apetecível conexão ao pretendido pela Federação Portuguesa de Râguebi começou então a ser nutrida. Virou treinador dos três quartos do Racing Paris em 2007, na ProD2 - onde hoje jogam vários internacionais portugueses -, conseguindo a promoção para o Top14. Depois de um par de anos a ter a mesma função no Munster, da Irlanda, retornou a França para ser o técnico principal do Section Paloise (Pau), que também fez subir, logo na primeira época, à primeira divisão.
Esta época estava no Biarritz, a batalhar para manter o clube na segunda divisão francesa. Ao todo, acumulou quase 12 anos a treinar no país-viveiro para o râguebi português, ávido por dar uso à cana de pesca que cativa luso-descendentes a representação a seleção nacional. Do Mundial para cá, por exemplo, Portugal estreou Hugo Camacho e Hugo Aubry, o formação e abertura cuja conexão muito sustentou a viagem até à final do Rugby Europe Championship, vulgo torneio das Seis Nações B que acabou em derrota contra a Geórgia. Eles e outros talentosos nomes como Nuno Sousa Guedes, Rafaelle Storti, Rodrigo Marta ou Manuel Cardoso Pinto pertencem todos às linhas atrasadas de Portugal e são os mais vistosos praticantes do estilo de jogo à mão, rápido e frenético, que Simon Mannix irá nutrir.
Especialista em trabalhar as manobras desse lote de jogadores dos três quartos, o neozelandês é, contudo, pouco experimentado em orientar seleções. Não necessariamente por culpa dele. Em 2019, poucos meses antes de a pandemia enclausurar os humanos entre quatro paredes, aceitou ser selecionador de Singapura, com poderes para reestruturar o râguebi da pequena nação. Por lá esteve durante quase dois anos, mas nunca chegou a comandar a equipa num jogo. É impossível retirar lições desse período, embora se possa extrair algo mais das aptidões de Mannix a partir de uma informação: o ano em que se mudou para o sudeste asiático, foi um dos 26 treinadores convidados pela Federação de Râguebi da Nova Zelândia a candidatarem-se ao cargo de selecionador dos All Blacks (é todo um processo formal e quase empresarial).
É neste homem nascido perto de Wellington, um de cinco irmãos que cedo a vida impôs o luto e a tristeza, em quem a FPR confia a seleção nacional até ao Mundial da Austrália, em 2027. Simon Mannix tinha oito anos quando perdeu um dos irmãos para um acidente de bicicleta e 10 no momento em que, à sua frente, viu outro morrer devido a um problema cardíaco fulminante, desgraças que o moldaram e contou ao “The Rugby Paper”. Confessou, então, a pressão sentida para mostrar serviço que o acompanha desde a infância. Sem treinar há três anos, chega a Portugal para o tentar com uma seleção que alagou as barragens das expectativas pelo mostrado no último Mundial.
Agora sim, os buracos no pavimento da seleção nacional poderão ser alcatroados.
Simon Mannix foi um dos nomes sugeridos na lista enviada à FPR pela World Rugby, organização que manda no râguebi na qual os responsáveis portugueses depositaram a opção de comprar tempo. Porque, ainda o Mundial decorria, Sébastien Bertrank foi contratado, mas o francês, que trabalhava para o Ministério dos Desportos do seu país, abdicou nem um mês depois, alegando que as exigências do cargo não o deixariam continuar a colaborar com o governo gaulês. Isto foi em novembro. Daí até agora, a seleção ficou a cargo de um triunvirato de consultores da World Rugby encabeçado por Daniel Hourcade, outrora adjunto de Tomaz Morais quando Portugal foi ao seu primeiro Campeonato do Mundo, em 2011, e ajudado por João Mirra, que já ajudara Lagisquet.
Portugal ficou com esse penso rápido para a trapalhada no período de competição pós-Mundial. A desgraça logo ao primeiro jogo (na Bélgica) fez temer um descalabro, mas a equipa técnica nacional afinou as coisas e a seleção só parou na final do torneio, permitindo à federação adiar este anúncio. “O Simon é um treinador muito experiente. Estou convencido de que o estilo de jogo que ele implementou nas suas equipas anteriores é o mais adequado para a nossa equipa nacional”, elogiou Carlos Amado da Silva, o presidente da FPR, tocando no óbvio: “Além disso, tem uma forte ligação com a França, tanto com os jogadores como com os clubes, o que o torna no perfil ideal que precisávamos. Estou completamente confiante de que terá sucesso com os ‘Lobos’.”
Colocar a seleção no próximo Campeonato do Mundo é o objetivo central. Estruturar o râguebi português, ainda amador, será outra prioridade, à frente quiçá de melhorar as condições dos Lusitanos, equipa que compete na liga europeia com clubes de outros países de segundo plano no continente. Em termos de ação visível, a seleção nacional só em julho regressará ao campo, e logo com exigência máximo: a 20 desse mês defronta a África do Sul, bicampeã mundial, em Blomfountein, aproveitando também a viagem para jogar contra a Namíbia, seleção com tradição em Mundiais. A 16 de novembro, em Edimburgo, tem na agenda uma partida frente à Escócia, outro adversário do tier one do râguebi mundial. O trabalho de Simon Mannix terá testes árduos desde a primeira hora.