Após 13 anos ao lado de Sérgio Conceição, depois de centenas de encontros como treinador-adjunto e mais de 20 exercendo funções de principal devido a castigos ao líder, Vítor Bruno rompeu com a imagem de marca que lhe é associada. Na apresentação como novo dono do banco do Dragão, o homem que costuma andar sempre de calções apareceu de calças vestidas.
“Assumo o desconforto por ter de estar de fato”, brincou o técnico escolhido por André Villas-Boas. Não obstante a tentativa de suavizar o ambiente com uma piada em referência à indumentária, o primeiro dia da “nova era” anunciada pelo presidente do FC Porto foi mais de tensão. E até desconforto.
Bastava reparar na expressão corporal de Vítor Bruno, de mão no bolso e até mágoa na voz, para perceber que havia nervosismo na sala e que a saída atribulada de Sérgio Conceição era um pano de fundo emocional difícil de digerir. E o novo treinador do FC Porto não o escondeu: “Devo dizer que não me sinto nada confortável, passei uma semana muito difícil, eu e a minha família. Uma semana de sofrimento e de grande angústia”, confessou, acrescentando que “dói” falar “de tudo isto”.
Depois de 13 anos, a dupla desfez-se, mas Vítor Bruno diz-se de “consciência tranquila”. E, apesar de partilhar da preocupação financeira que Villas-Boas manifestou — o presidente classificou mesmo a situação das contas do clube como estando “no limite” —, prometeu “ambição”.
Já André Villas-Boas pontuou as suas intervenções com diversos recados. Começou em tom elogioso para um “indefetível portista”, Sérgio Conceição: “Homem de forte carácter e personalidade, que defendeu as cores do nosso símbolo da mesma forma que, de camisola ao peito, o agarrou com toda a sua força, queremos agradecer tudo o que deu e conquistou pelo FC Porto. Mister Sérgio Conceição, esta é a tua casa, nela serás sempre bem-recebido.”
Contudo, mais à frente, lamentou que a célebre conversa com o antigo internacional tivesse “terminado mal fruto, um pouco, desta linha de continuidade que nós víamos como opção e sempre valorizámos e considerámos”. Traduzindo, Sérgio não gostou que o seu adjunto fosse o nome para a sucessão.
A outra grande bicada de AVB foi para a gestão anterior: “Um FC Porto tal como nós o encontrámos quando os outros o deixaram, comigo, não irá acontecer. A situação com a qual nos deparamos, seja daqui a quatro anos ou mais tarde… nunca deixaremos o clube assim.”
As declarações de Vítor Bruno:
Desconforto por estar de fato
“Numa primeira abordagem muito honesta, assumo o desconforto por ter de estar de fato. Em relação ao guarda-roupa, você [vira-se para Villas-Boas] vai ter que investir, porque vou ter que apresentar-me de outra maneira.”
Orgulho pelo convite
“Estou muito feliz e honrado. Tenho noção perfeita da responsabilidade, mas tenho uma vontade muito grande de me atirar ao terreno, de começar a trabalhar no Olival, de validar o que eu e a minha equipa técnica perspectivamos para o FC Porto. Sei que não seremos em todos os momentos os melhores e os mais talentosos, mas no carácter, a ambição, a exigência e a capacidade de trabalho seremos imbatíveis, encarnando o que é o sócio e o adepto do FC Porto. Sei que é uma missão difícil, mas é uma missão que quero viver e quero muito, muito ganhar.”
Polémica da última semana
“[Questão perguntava se saída de Sérgio Conceição era elefante na sala]. Nós podemos olhar para o elefante como um elefante ou como uma formiga, depende do olhar que tivermos para o que aconteceu. Devo dizer que não me sinto nada confortável, passei uma semana muito difícil, eu e a minha família. Uma semana de sofrimento e de grande angústia. Não quero nada alimentar este circo mediático que se foi levantando. Fiz o que tinha a fazer no momento próprio. Remeto tudo o que tenho a dizer agora para o que foi lançado em comunicado. Começaram a lançar uma novela com capítulos a mais para o guião da verdade. É o meu sentimento genuíno, sincero, tenho a minha paz interior completamente garantida, adormeço todos os dias sob o aplauso da minha consciência e isso dá-me paz interior. Para mim, é um não assunto, tenho de me focar no que quero fazer.”
Plantel para a próxima época
“O tempo é precioso e estamos a desperdiçá-lo com questões que me parecem que não são importantes. Vamos já começar a planificar a época, confio muito na estrutura, no Andoni [Zubizarreta] e no Jorge [Costa]. Teremos que ter um olhar cirúrgico porque sabemos de algumas dificuldades que estão, neste momento, em causa no FC Porto. Canalizaremos a nossa atenção para alvos possíveis de concretizar. Parece-me importante, e já partilhei isso com o presidente, olhar para dentro. Fala-se em prata da casa, mas não é a prata da casa, é o ouro da casa. Posso ficar refém do que estou a dizer agora, mas não tenho problema nenhum em assumi-lo: por vezes temos a tendência a subestimar quem está connosco. Muita gente tem de perceber que o momento faz a oportunidade. Sangra-me o coração perceber que determinados talentos não aproveitam o que têm e nisso não lhes darei descanso. Quando sentir que são capazes e têm qualidade para surgir no plantel do FC Porto, não lhes darei descanso.”
Francisco Conceição
“Conheço o Francisco desde que ele era muito pequeno. Tenho uma estima muito grande por ele, foi construindo uma carreira graças à sua capacidade de trabalho, acabou a um nível altíssimo, culminando com esta chamada à seleção nacional. Será tratado como qualquer outro elemento do plantel. Nenhum jogador nem treinador poderá estar acima dos superiores interesses do clube e é assim que será tratado. Que ele, o Pepe e o Diogo Costa possam voltar no dia 15 [de julho] com o tão ambicionado troféu.”
Desgaste da equipa técnica liderada por Sérgio Conceição
“Em nenhum momento se levantou a questão do desgaste para fora. Num determinado momento, conseguimos circunscrever ao nosso espaço, era algo que já era visível e foi partilhado entre mim e o Sérgio a poucos dias do final da época. Em relação aos jogadores, eles conhecem-me e percebem qual o comportamento da pessoa que os lidera, mesmo que num papel secundário. Eles sabem como eu me portei, sempre com a verdade e autenticidade. Não vou, só por estar num cargo superior, ser diferente do que sou, sou fiel ao que me ensinaram de berço. Claro que terei um papel diferente em questões de tomada de decisão, mas fá-las-ei sempre em conjunto.”
Mensagem para adeptos
“Tenho um respeito enorme pelos sócios e adeptos. Senti que, em muitos momentos, fomos à boleia deles. Precisamos de estar entranhados, vai ser um ano difícil e precisamos deles.”
Ainda saída de Sérgio Conceição
“É um tema que não quero continuar a alimentar. Tenho demasiadas preocupações na cabeça para estar a castigar-me com algo que não concorre para o sucesso do FC Porto. Tinha esta decisão pensada, fui amadurecendo ao longo da época. Fui-me aconselhando com o meu pai [Vítor Manuel], que é um homem do futebol. Quis perceber, da parte dele, qual o sentimento que ele tinha, sabendo que eu já tinha muito presente o que queria fazer. Quero canalizar a minha energia para o que tenho pela frente, que não é pouco."
Necessidade de reforços
“Sinto que o presidente e a estrutura vão caminhar no sentido de oferecer as soluções que o clube vai precisar. É algo que não me preocupa. Tenho a garantia do presidente que vamos tentar garantir uma consistência que já vem perfilada do ano anterior. Sei que teremos de fazer determinado tipo de vendas, isso não é novidade. Estou ciente disso, tenho essa noção, sei o que há no balneário em termos de potencial. Sei o que os jogadores podem oferecer. Quando tivermos de afinar determinados pormenores, afinaremos. Agora estamos no namoro inicial, o encantamento é total, mas, quando surgirem dissonâncias, é aí que vamos crescer.”
Equipa técnica
“Não está totalmente definida ainda. Temos dois nomes já fechados, o Nuno Piloto [ex-jogador da Académica ou Olhanense] e o Óscar Pintado. Há espaço para integrar alguns elementos, sabemos da urgência de tratar desse tipo de dossiês. Vamos atacar esse dossiê nas próximas horas e próximos dias para o fechar o mais rapidamente possível.”
Como foi relação com Sérgio Conceição afetada?
“Dói-me falar de tudo isto, digo-o sem reservas. Claro que deixa marcas. Sou grato a quem me ajuda, sou muito grato ao Sérgio por todo o percurso que fizemos, por momentos difíceis que passámos, não só no FC Porto, mas também em Olhão, Braga, Coimbra, Guimarães ou Nantes. Deixa marca? Deixa, não guardo rancor. Tenho a consciência tranquila e nunca fugi dos meus valores. Agora também espero, nestes 13 anos, ter contribuído para o sucesso do Sérgio.”
Pepe
“Eu a falar do Pepe sinto-me demasiado pequenino. É um símbolo do clube, uma referência para todos nós, alguém que foi subindo a pulso. É uma conversa que terei de ter com o presidente, perceber qual o melhor caminho, falar com o Pepe e tomar a melhor decisão. É o dossiê complexo e que obriga a alguma capacidade de percebermos até que ponto devemos atuar, sem magoar nem melindrar o Pepe. Ele disse que queria auscultar a sensação do corpo dele no Europeu para depois tomar uma decisão. Será nessa base que vamos atuar, na certeza que o Pepe fará sempre, sempre, sempre parte da história do FC Porto.”
As declarações de André Villas-Boas:
Responsabilidade de treinar FC Porto
“Liderar o FC Porto é um conjunto de emoções muito forte, que bate profundo no coração. Um sentido de responsabilidade e exigência muito grande, porque estes adeptos são exigentes como ninguém. Ficou claro nesta conferência de imprensa todos os valores que o Vítor Bruno comunica e cativa. Cativou-me a mim, ao Andoni e ao Jorge Costa neste processo de escolha, pelo que sabe de futebol, conhece do plantel e do clube. É um homem de coragem e sem medo.”
Reação do balneário
“Não falei [com o balneário] nem interpretei essa notícia [de descontentamento do balneário pela saída de Sérgio Conceição] como verdadeira. Do que sabemos do plantel do FC Porto, há um carinho evidente pelo treinador que nos deixou, pelo que conquistou, mas o Vítor é uma pessoa do agrado de todos, do respeito de todos, liderou o grupo muitas vezes e com muito sucesso. Agora será julgado pelo seu trabalho.”
Saída de Sérgio Conceição
“A única coisa que tenho a lamentar é não ter feito a despedida ao míster Sérgio Conceição como tinha combinado com ele no dia seguinte à minha tomada de posse. Lamento imenso, falámos abertamente durante duas horas, gostava muito de lhe ter oferecido uma despedida condigna, com os seus troféus ao seu lado. Foi isso que combinámos até, infelizmente, a conversa ter terminado mal fruto, um pouco, desta linha de continuidade que nós víamos como opção e sempre valorizámos e considerámos. Não quero perder muito tempo com essa novela, tenho muita convicção no trabalho do Vítor Bruno, na ânsia que ambos temos de sair desta conferência de imprensa e ir trabalhar. A homenagem ao treinador que saiu é devida e, escolha ele a data que escolher, aqui estaremos para o receber. ”
Objetivos
“Quero um FC Porto campeão nacional imediatamente, no próximo ano. O tempo urge e há muitos dossiês a fechar, com grande importância. O passado conta pouco, o importante é o futuro.”
Quando é que decide avançar para Vítor Bruno?
“Foi uma decisão tomada no fim-de-semana, debatida entre a gestão desportiva e a presidência. Convidámos o Vítor Bruno para reuniões e toda esta energia que vocês sentiram aqui, eu senti da mesma forma, fechando os dossiês segunda, terça e quarta-feira. Debatemos amplamente, enquanto gestão desportiva, mas a partir do momento em que começámos as reuniões, sabíamos que era por aqui.”
Nova estrutura
“A estrutura ideal corresponde à minha caminhada como treinador, fruto de muitas experiências. Quero garantir que o treinador do FC Porto se dedique apenas e só ao que mais gosta, que é treinar a equipa, desenvolver jogadores, preparar jogos e ganhá-los. A estrutura estará lá para apoiar o treinador, é altamente profissional, não poupamos nela, investimos. Garantimos ao Vítor Bruno que a estrutura FC Porto será o baluarte dele. Vem de muitos anos como treinador e de muitos anos de filosofia e pensamento.”
Na campanha disse que Conceição deveria ter renovado a meio de 2022/23
“Isso está relacionado com o tempo. Deve-se renovar, por vezes, os treinadores nos momentos em que mais precisam, quando são eliminados de forma injusta, como foi o caso [contra o Inter]. Para isso, têm de haver estruturas fortes, que percebem isso. Terminou-se uma história, começa outra, o passado não interessa, vamos para o futuro”
Necessidades financeiras
“Precisamos de construir um plantel vencedor porque queremos ser campeões. Claro que a situação em que nos encontramos é limite, mas, na forma em que encontrámos o clube, tudo é uma janela de oportunidade, estamos a dar os passos certos para um FC Porto consolidado e sustentável do ponto de vista financeiro. Isso será também um grande propósito dessa caminhada. Um FC Porto tal como nós o encontramos quando os outros o deixaram, comigo, não irá acontecer. A situação com a qual nos deparamos, seja daqui a quatro anos ou mais tarde, nunca deixaremos o clube assim. Estamos a dar passos firmes em relação à sustentabilidade financeira do clube.”