A imagem aérea da transmissão televisiva italiana é desoladora. Uma meia-final da Supertaça do país, transladada de terras transalpinas para o deserto arábico, metafórico e algo mais, com o amarelo das cadeiras das bancadas a dar goleada aos pontinhos em que se vê gente, a pouca gente que se deu ao trabalho de ir ver um Nápoles - Fiorentina numa noite de janeiro em Riade. Os adeptos napolitanos e viola, dos mais apaixonados em Itália, ficaram em casa, a milhares de quilómetros de distância, longe do seu futebol, sem dinheiro ou disponibilidade para atravessar meio mundo para ver um jogo da sua equipa.
No dia seguinte, Jordan Henderson regressava ao futebol europeu seis meses depois de viajar para a Arábia Saudita, chutando a dignidade para um canto por um cheque, esquecendo-se das suas lutas pelos direitos da comunidade LGBTQIA+ para se tornar num menino rico ainda mais rico, num país em que ser gay pode ser sentença de morte. Voltou com a dignidade entre as perninhas, falando, na apresentação no Ajax, de uma decisão puramente “futebolística”, mas lembrando que “às vezes as coisas não funcionam”. Não terá funcionado a vida para a sua família que, de acordo com a imprensa britânica, já nem vivia em Damã, a cidade saudita onde joga o Al-Ettifaq, mas sim no Bahrain, o vizinho bera, mas ainda assim menos conservador. Nem terá funcionado jogar para umas meras centenas de pessoas, principalmente para alguém que passou boa parte da vida a povoar o meio-campo num Anfield a rebentar de gente. Nem terá funcionado os resultados pobrezinhos de uma equipa que, apesar de tudo, não tem a torneira permanentemente aberta, jorrando ouro, como os clubes do fundo soberano saudita.
E depois ainda houve Aymeric Laporte, espanhol do Al-Nassr, a dizer à boca grande, numa entrevista ao “As”, aquilo que já se falava à boca pequena: que “há muitos jogadores descontentes” na Arábia Saudita, que os dirigentes sauditas deveriam ter “um pouco mais de seriedade” e que a vida em Riade está longe de ser uma maravilha, muito por causa do trânsito louco da cidade, que o leva a passar três horas por dia num carro.
“Levam a vida na deles. Fazes um ultimato e eles não querem saber. Negoceias uma coisa e depois de teres assinado não a aceitam”, revelou ainda o central, que deixou o Manchester City pelos milhões sauditas, que compram muita coisa mas pelos vistos não a qualidade de vida e o respeito pelos jogadores. Laporte diz mesmo que os clubes “não cuidam suficientemente” dos futebolistas - this is not Europe, poderia cantar Bowie enquanto Laporte, Benzema, Firmino, Gabri Veiga e outros enxugam lágrimas com notas de 100 dólares.
É para este ambiente, num país que acredita que tudo se nutre com dinheiro e mão pesada, que, por exemplo, a Liga Portugal equaciona levar a Taça da Liga a partir do próximo ano. Pedro Proença já o tinha admitido em entrevista a esta casa, ressalvando ainda a possibilidade, meritória, do chamado mercado da saudade. Mas recentemente Rui Caeiro, diretor-executivo do organismo, reforçou a ideia de organizar a final four da Taça da Liga no Médio Oriente. Há que “aproveitar a oportunidade”, usufruir da “ambição” desmedida daquela malta de bolsos fundos - usam-se muito estes chavões -, que paga €40 milhões por época a Espanha e €23 milhões a Itália para lá realizarem as suas Supertaças, mesmo que isso pouco pareça interessar aos sauditas, que estão ali nas bancada como se estivessem num qualquer circo itinerante que passa pela cidade. O argumento do cada vez maior fosso entre Portugal e os outros é válido, mas 1) o valor da Taça da Liga portuguesa muito dificilmente se aproximará do que se paga a Espanha e Itália e 2) quanto custa mesmo a total desvalorização do adepto e das equipas que jogarão em frente a meia-dúzia de pessoas, que de Portugal apenas querem saber de Cristiano Ronaldo e pouco mais?
Mesmo com o Mundial de 2034 garantido, os castelos de areia futebolísticos construídos na Arábia já abanam, porque não há dinheiro que pague uma cultura, uma história. Os jogadores de topo, pelo menos aqueles que levam o futebol a sério, quererão sempre jogar a Liga dos Campeões e em campeonatos fortes - e não, Cristiano, a liga saudita está longe de já ter atingido ou ultrapassado a liga francesa. E é nestes castelos que queremos entrar, marimbando-nos para o opróbrio por um punhado de milhões. Mal por mal, que se encontre uma solução a meio caminho, num território com portugueses, emigrantes, sedentos e merecedores de ver a sua equipa, de fazer a festa. Tudo o resto já nem é futebol, é só negócio sem alma.
O que se passou
Sporting, Benfica e FC Porto passaram incólumes pela primeira jornada da 2.ª volta e está tudo na mesma na tabela da I Liga.
Em frente a 700 apoiantes, André Villas-Boas apresentou a candidatura à presidência do FC Porto. Pinto da Costa continua a manter o tabu.
José Mourinho já não é treinador da Roma.
Para surpresa de muito boa gente (provavelmente até do próprio), Lionel Messi venceu o prémio The Best para melhor jogador de 2023. Nuno Santos acabou em 2.º na votação para o melhor golo do ano.
E andamos a brilhar no Europeu de andebol, mas já lá vamos.
Zona mista
Tinha 18 anos, acabadinho de sair do Secundário e pensei para mim: estarei pronto?
Nuno Borges tornou-se apenas no segundo português (depois de João Sousa) a chegar a uma 4.ª ronda de um torneio do Grand Slam, batendo Alejandro Davidovich Fokina e Grigor Dimitrov e ainda roubando um set a Daniil Medvedev no Open da Austrália. Aos 26 anos, o maiato teve uma caminhada pouco convencional, jogando ténis no campeonato universitário norte-americano antes de se profissionalizar já aos 22 anos. Uma opção que mostra que não vale a pena ter pressa, mas sim cabeça.
O que aí vem
Segunda-feira, 22
🎾 Open da Austrália (9h, Eurosport 1)
⚽ Na CAN, a Nigéria de José Peseiro joga com a Guiné-Bissau (17h, Sport TV2) e o Egito de Rui Vitória com Cabo Verde (20h, Sport TV3). Siga também o Guiné Equatorial - Costa do Marfim (17h, Sport TV3) e o Moçambique - Gana (20h, Sport TV2)
🏀 NBA: Philadelphia 76ers - San Antonio Spurs (0h, Sport TV1)
Terça-feira, 23
🤾 Europeu de andebol: Países Baixos - Portugal (14h30, RTP2)
⚽ Dia da primeira meia-final da Taça da Liga entre SC Braga e Sporting (19h45, SIC)
⚽ Na Taça da Ásia, os Emirados Árabes Unidos, de Paulo Bento, jogam com o Irão (15h, Sport TV1). Já na CAN, Angola tem duelo marcado com o Burquina Faso (20h, Sport TV3)
Quarta-feira, 24
⚽ Benfica e Estoril encontram-se na segunda meia-final da Taça da Liga (19h45, SIC)
⚽ Na Taça da Liga inglesa, o Fulham de Marco Silva recebe o Liverpool (20h, Sport TV2)
Quinta-feira, 25
⚽ Liga dos Campeões feminina: o Benfica, 2.º do Grupo A, joga em casa do Rosengard (17h45, Eleven 1)
Sexta-feira, 26
⚽ Taça de Inglaterra: Chelsea - Aston Villa (19h45, Sport TV2) e Tottenham - Manchester City (20h, Sport TV1)
🏀 NBA: Atlanta Hawks - Dallas Mavericks (0h, Sport TV2)
Sábado, 27
🎾 Open da Austrália, final feminina (8h30, Eurosport 1)
⚽ Final da Taça da Liga (19h45, SIC)
⚽ Na Serie A, o Milan recebe o Bolonha (19h45, Sport TV2)
🏀 NBA: Denver Nuggets - Philadelphia 76ers (22h30, Sport TV2)
Domingo, 28
🎾 Open da Austrália, final masculina (8h30, Eurosport 1)
⚽ I Liga: Moreirense - Famalicão (15h30, Sport TV1), Boavista - Portimonense (15h30, Sport TV2), Farense - FC Porto (18h, Sport TV1) e Arouca -Vizela (20h30, Sport TV2)
Hoje deu-nos para isto
A derrota de domingo com a Suécia, atual campeã continental e recordista de títulos, em nada mancha mais uma epopeia agigantada da seleção nacional de andebol, que desde 2020 nos habituou a desacreditar na nossa auto-imposta ideia de impossibilidade biológica. Em 2022, Chema Rodríguez, o espanhol então treinador do Benfica, dizia-nos que o jogador português não era “o mais alto, nem o mais forte”, mas sobrava-lhe qualidade tática e inteligência. “Temos aquela manha, somos desenrascados”, atirou, colocando-o no mesmo lote do jogador espanhol.
Uma vitória frente aos Países Baixos, na terça-feira (14h30, RTP2), significa desde logo pelo menos igualar o melhor resultado de sempre, o 6.º lugar de 2020. E voltar a sonhar com uma presença nos Jogos Olímpicos, algo impensável para uma seleção que passou 14 anos sem colocar os pés numa grande competição. Não somos os mais altos, nem os mais fortes, mas temos o braço potente de Martim Costa, a experiência de Pedro Portela, a coragem do miúdo Diogo Rêma, que vê o sangue das boladas que leva na cara como medalhas, a liderança de Paulo Jorge Pereira. E é por isso que, não sendo nem os mais altos nem os mais fortes, ganhámos à Noruega e à Eslovénia, equipas com pódios em Mundiais e Europeus, potências na arte de rematar uma bola com as mãos. E olhando para a média de idades desta equipa, ainda para mais desfalcada de algumas figuras como André Gomes, Daymaro Salina, Victor Ituriza e Fábio Magalhães, há seleção para muito tempo, aconteça o que acontecer na terça-feira.
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