Tribuna 12:45

Uma ida ao Bernabéu que ensinou uma coisa ou duas sobre futebol (e que serviu de lembrete da passagem do tempo)

Jude Bellingham teve uma noite zidanesca contra o Nápoles, no Bernabéu
Lasha Kuprashvili/MB Media

Faltavam 10 minutos para o árbitro apitar pela primeira vez no Real Madrid-Nápoles. Eu, cheio de inquietações na alma, estava a uns meros metros, num bar lá fora, com três madridistas ainda a aspirar as últimas gotas nos copos. A calma deles era uma atrocidade, merecia um feriado pelas piores razões. Lá fomos e não muitos passos depois já estávamos nas cadeiras do magnífico Santiago Bernabéu. Os jogadores, pacientes, começaram então a entrar no relvado. Não quero ser demasiado alarmista nem denunciar fraudes, mas a bola é mais redonda por ali. O que Toni Kroos ia fazendo merecia música. O silêncio que às vezes se faz sentir talvez seja para isso, quem sabe aquela gente esteja a sintonizar algum artista do mesmo gabarito.

Mas também Jude Bellingham ia tratando de ter a noite mais zidanesca que já teve. Os detalhes do inglês enchiam o estômago que dentro de pouco tempo iam ser substituídos por um glorioso bocadillo de presunto. Jude tocou de calcanhar, sola, controlou o relógio, orientou através do jogo, fez um golaço de cabeça e assistiu para o pobre Joselu, que ia convocando para aquele recinto o recorde mundial de suspiros enfadados. A conversa com o mais velho do grupo, um radialista impecável e com boas relações com alguns dirigentes do clube, ia pintando a bela jogatana. Falou de Mourinho, Redondo, Bale, Seedorf, Pepe, Ricardo Carvalho (derreteu-se todinho com este senhor), Guti. Ahh, “el tacón de dios”, celebrou outro deles. No intervalo, o amigo que convidou este que vos escreve ia mostrar onde era a casa de banho e de repente estávamos fora do estádio. “Há muitas filas lá”. Voltou a comichão na alma. “Bebes algo?”, perguntou. Dor. O segundo golo do Nápoles foi escutado fora do estádio, foi um rugido maradoniano. A Constituição devia proibir estas coisas. Depois, percebi que este bom rapaz passou a segunda parte da final da Champions 2022, em Paris, fora do estádio a entupir-se provavelmente em cerveja. Porém, quando toca a promessas de derrotas, a cantiga é outra: “Não percebo os que saem mais cedo, isto é o Madrid”. Apercebi-me ali da natureza do vínculo de alguns adeptos e do clube ao torneio mais importante da Europa.

A conversa com o tal radialista prometia eternizar-se. E Cristiano Ronaldo, uma enorme e talvez irrepetível lenda do Real Madrid, entrou nas historietas. Manolo estava no Portugal-Espanha, em 2004, no Campeonato da Europa. O tremendo golo de Nuno Gomes nem foi mencionado por ele e eu já sabia para onde ia caminhar a conversa. Cristiano, com o número 17, era um menino e naquela noite passou por cima de Raúl Bravo, que até jogava com os Galácticos. “Uma vez passou por ele, esperou e fintou-o outra vez”, relatava entusiasmado. Lamentei imenso ter visto o jogo e não poder imaginar aquilo como se Manolo estivesse a falar de Garrincha. Mas foi isso mesmo, Cristiano era a esperança de um povo ilusionado. E em cada drible estava a alegria das pessoas. Futebol.

LLUIS GENE

Serve esta lengalenga toda para dar conta de que a história entre Cristiano e Bravo fez soar os alarmes interiores. Aquela foi a primeira grande aparição de Cristiano Ronaldo pela seleção num grande torneio e no próximo verão, na Alemanha, teremos em princípio a derradeira. Pelo meio, venceu o Euro 2016. Apesar do encantamento pela figura já não ser o mesmo, a nostalgia que é filha da emoção não permite que a lembrança mirre. Para os que acompanharam toda a sua carreira, trata-se de um fechar de gaveta que não se faz com leveza. Afinal, o capitão e número 7 vai para a sexta fase final do torneio, aumentando assim os 25 jogos na prova e os 14 golos. Recordes, recordes, recordes. E no sábado já ficámos a saber quem terá pela frente a seleção portuguesa, a tal que fez 10 vitórias em 10 jogos no apuramento: República Checa e Turquia, tal como em 2008; depois, sairá do play-off Geórgia ou Grécia ou Cazaquistão ou Luxemburgo. Se tudo sair de feição aos favoritos, Portugal apenas terá gente como Bellingham (Kroos abandonou a mannschaft) ou outros gigantes numa fase do torneio muito adiantada, o que aumenta a expectativa para a competição.

“Os adversários são todos diferentes. No futebol moderno precisamos de ter uma flexibilidade tática que nós mostrámos. A nossa força está dentro do balneário”, garantiu Roberto Martínez, na ressaca do sorteio. Que a força esteja também no esquecimento, pois aquele golo de Karel Poborsky, em 1996, ainda vive na memória de uns quantos de nós. De resto, tal como contou a Lídia Paralta Gomes no live blog do sorteio, depois dessa chapelada a Vítor Baía seguiram-se quatro vitórias lusas em quatro jogos, uma delas por 4-0 na Liga das Nações, em setembro de 2022. Já a Turquia deixa boas memórias: os portugueses ganharam aos turcos sempre, sempre nos Europeus, em 1996, 2000 e 2008. A Grécia será porventura a favorita a sair viva do play-off, o que vai abrir feridas do passado pois claro, com artigos e reportagens em catadupa a recordar a final do Euro 2004, a tal em que Cristiano chorou como um menino, queixando-se da injustiça divina. Ver Charisteas no sorteio já foi o que foi…

O QUE SE PASSOU

ZONA MISTA

Se querem melhorar as condições do futebol brasileiro, há duas coisas que urge fazer: descanso mínimo de três dias para jogar no quarto e a qualidade do relvado, seja sintético ou não

Abel Ferreira, o treinador do Palmeiras, está a um passo de voltar a ser campeão brasileiro e, numa batalha que vem tendo desde que aterrou no Brasil, voltou a defender o que deveria ser feito para proteger jogadores e qualidade do espetáculo

O QUE VEM AÍ


Segunda-feira, 4
⚽ Liga: Sporting-Gil Vicente (20h05, Sport TV1)
🏀 NBA In Season Tournament: Pacers-Celtics (00h30, Sport TV1)
🏒 NHL: Tampa Bay-Dallas

Terça-feira, 5
🏀 Euroliga: Olympiacos-Real Madrid (19h10 Sport TV2)
⚽ Taça de Itália: Lazio-Génova
🏀 NBA In Season Tournament: Bucks-Knicks (00h30, Sport TV1)

Quarta-feira, 6
⚽ Taça da Liga: Estoril-FC Porto (17h50, Sport TV1)
⚽ Premier League: Manchester United-Chelsea (20h15, DAZN Eleven Sports 1), Aston Villa-Manchester City (20h15, DAZN Eleven Sports 2), Luton-Arsenal (20h15, DAZN Eleven Sports 1), Sheffield United-Liverpool (19h30, DAZN Eleven Sports 3)
⚽ Taça de Itália: Fiorentina-Parma (19h55, Sport TV3)
🏀 NBA: Houston Rockets-Oklahoma City (01h00, Sport TV5)

Quinta-feira, 7
⚽ Eredivisie: PSV-Heerenveen (17h40, Sport TV1)
🏀 Euroliga: Panathinaikos-Real Madrid (19h10, Sport TV2)
🏒 NHL: Ottawa-Toronto (00h00, SportTV2)
🏌🏻 DP World Tour: arranca o Alfred Dunhill Championship (10h00, Sport TV3)

Sexta-feira, 8
⚽ Liga: Benfica-Farense (18h00, BTV), Vizela-SC Braga (15h20, Sport TV1)
⚽ Liga Saudita: Al Nassr-Al Riyadh (17h55, Sport TV1)
⚽ Serie A: Juventus-Nápoles (19h40, Sport TV2)
🏐 Campeonato nacional: Esmoriz-Sporting (15h50, Sport TV5)

Sábado, 9
⚽ Liga: Vitória SC-Sporting (17h50, Sport TV2), FC Porto-Casa Pia (19h40, Sport TV1), Portimonense-Famalicão (15h20, Sport TV1)
⛵ Vela: arranca o Dubai Sail (10h00, Sport TV2)
🏉 Taça dos Campeões de râguebi: Toulon-Exeter Chiefs (12h55, Sport TV6)

Domingo, 10
⚽ Liga: Estrela-Boavista (15h20, Sport TV1), Arouca-Rio Ave (18h00, Sport TV1), Estoril-Chaves (20h20, Sport TV1),
⚽ Serie A: Roma-Fiorentina (19h40, Sport TV2)

HOJE DEU-NOS PARA ISTO

Executar a manobra de sentar em frente à televisão para ver um determinado jogo por causa de um futebolista já não é coisa habitual. No domingo, a noite trazia o reencontro de João Félix com o ainda (pouco) seu Atlético Madrid. Claro, como não podia deixar de ser, o talentoso jogador esteve ON, como diria Neymar, então tocou bem na bola, levou pancada, ganhou faltas e mais faltas, correu atrás dos outros, não se queixou muito e não quis demasiado ser o protagonista, mas a bola fez-lhe a vontade. Num lance de génio, orientou a bola com a sola, já dentro da área, e picou-a com a canhota por cima de Oblak. Assombroso. Os jornais desportivos de Espanha tiraram-lhe o chapéu. O “AS” escreveu na primeira página “Tinha de ser ele”, enquanto ao “SPORT” e ao “Mundo Deportivo” lhe bastaram um “Magnífico” e um “João Feliz”.

Como qualquer enfermo do futebol de tempos idos, o Barcelona 5-4 Atlético Madrid de 1997 veio cutucar a lembrança. Na altura já chegavam esses jogos a Portugal, um milagre, então já podíamos testemunhar as travessuras de Ronaldo Nazário, que ganhou adeptos só com o anúncio da Nike, no coliseu, quando fez o tal cabrito por cima de uma besta desavinda qualquer e que tantos imitaram nas escolas pelo país fora. Nessa noite, no Camp Nou, num jogo a contar para a Taça do Rei, Milinko Pantic fez quatro golos para o Atlético. Aos 31 minutos, estava 3-0 para os de Madrid. Depois, Ronaldo Luís Nazário de Lima inaugurou o festival. Fez um hat-trick e viu como Figo e Pizzi ajudaram a virar o resultado de um dos grandes jogos desta modalidade. No relvado estavam três portugueses, todos de blaugrana: Vítor Baía, Fernando Couto e Luís Figo. O duelo entre Bobby Robson e Radomir Antic ficou para os anais do futebol. Félix, que não fez qualquer golo ao Barça em três anos e meio no Wanda Metropolitano, ainda não tinha nascido.

DOMINIQUE FAGET