Futebol nacional

Menos de três meses depois de ser líder da I Liga, Petit sai do Boavista, um clube imerso no problema dos salários em atraso

À quinta jornada, os axadrezados comandavam o campeonato mas, desde então, só somaram dois pontos em oito rondas. No entanto, o ex-médio não sai pelos maus resultados, mas sim pela difícil situação financeira do clube, com pagamentos em falta a futebolistas e funcionários, numa situação que se arrasta há vários meses

Diogo Cardoso/Getty

Peter Jehle, o jogador mais internacional de sempre pelo Liechtenstein, é hoje CEO da federação de futebol do pequeno país centro-europeu. O antigo guardião representou o Boavista entre 2006 e 2008 e, em março, revelou à Tribuna Expresso ser ainda credor do emblema portuense, que ainda lhe devia “boa parte do salário”.

Afonso Figueiredo vestiu a camisola das panteras entre 2013 e 2016, tendo saído rumo ao Rennes numa altura em que tinha dois ordenados em falta. Em setembro, contou à Tribuna Expresso que nunca foi para a justiça nem quis “prejudicar o clube” por uma questão de “gratidão” para com o emblema que lhe permitiu projetar-se na I Liga.

Desses anos para 2023 muito mudou no Boavista. Os dirigentes são diferentes, o momento é outro, mas a dificuldade em cumprir com as obrigações para com os profissionais mantém-se. E, em resumo, é essa incapacidade que leva à saída de Petit do comando técnico, numa rescisão anunciada pelo clube como sendo “de mútuo acordo”, mas que surge devido ao desgaste que os problemas dos últimos meses causaram na figura que, no Bessa, reúne mais consenso nas bancadas.

No passado defeso, os axadrezados ficaram impedidos de inscrever jogadores devido a uma punição da FIFA, a qual surgiu na sequência de processos interpostos por antigos futebolistas do clube, todos credores, tais como Javi García, atual adjunto de Roger Schmidt no Benfica.

Entrando nesta época com estes problemas, a falta de cumprimento manteve-se. Em outubro, a Liga disse que o Boavista comprovou inexistência de dívidas a jogadores e treinadores, mas só até agosto. No entanto, logo em setembro surgiram protestos dos profissionais, com treinos cancelados após médicos exigirem a regularização dos salários em atraso, por exemplo.

Apesar de todos estes problemas, o começo de campanha da equipa foi fantástico. Com 13 pontos conquistados nos primeiros 15 possíveis, o Boavista chegou à quinta jornada do campeonato como líder da competição, com triunfo frente ao Benfica, logo na ronda inaugural, incluindo.

A quebra de rendimento

Após o excelente começo de temporada, o Boavista acumulou maus resultados. Nas últimas oito rondas da I Liga, a equipa perdeu seis e empatou duas, descendo para o 10.º lugar — ainda assim, em linha com os objetivos para a época. Adicionalmente, as panteras caíram na Taça de Portugal, sendo eliminadas, nos penáltis, contra o Arouca.

Com um plantel curto, Petit sofreu, nas últimas semanas, com algumas baixas por lesão, que reduziram ainda mais as opções. Como exemplo, frente ao Estrela da Amadora, na derrota por 3-1 que seria o último desafio do ex-internacional no comando técnico, estavam de fora nomes como Sasso ou Miguel Reisinho, além de Tiago Morais, castigado.

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No entanto, mais do que os fracos resultados recentes, o que mais desgastou Petit foram os salários em atraso. Neste momento, há dois meses em falta aos jogadores e três aos funcionários.

As condições de trabalho têm sido, regularmente, precárias, longe das exigências do futebol profissional. O jornal “A Bola” informa que, durante os últimos meses, houve cortes de água e gás que obrigaram a que, depois de treinos, os jogadores tivessem de ir a casa tomar banho.

O ZeroZero avança ainda haver divergências com a liderança de Vítor Murta, o presidente, e de Rafael Bracali, antigo guarda-redes que é, agora, diretor-desportivo.

Problemas em toda a era Gerard López

Gerard López, hispano-luxemburguês, é o proprietário do Boavista. A entrada do grupo do empresário foi aprovada numa assembleia-geral em outubro de 2020, numa operação que se completou, no passado verão, com a compra de mais 16,89% das ações da sociedade, as quais, a juntar aos 50,78% que López já detinha, levaram a que o investidor detenha, agora, dois terços da SAD.

Logo na primeira temporada com o hispano-luxemburguês, em 2020/21, a instabilidade reinou. Com um plantel bastante reforçado, o Boavista ficou apenas a dois pontos da descida. A Tribuna Expresso sabe que, na altura, já as condições de trabalho desagradavam a um plantel que tinha nomes como o já citado Javi García, mas também o campeão do mundo Adil Rami ou o luso-britânico Angel Gomes.

Nas campanhas seguintes, a instabilidade só foi sendo travada por Petit, a grande figura aglutinadora entre tanto caos institucional. Contratado em novembro de 2021 para uma segunda passagem no clube, Petit chegou aos 191 jogos no comando dos axadrezados, apenas atrás dos 359 encontros de Jaime Pacheco e dos 211 de Manuel José. O ex-médio rejeitou, em setembro, sair para o Vitória SC, mantendo-se fiel ao conjunto em que, em 2000/01, foi campeão como jogador.

Enquanto se fala de possíveis vendas em janeiro que possam fazer face às dívidas do clube — o presidente, Vítor Murta, admitiu, ao Podcast Axadrezado, haver interesse do Benfica em Pedro Malheiro —, o presente da equipa é uma incógnita. Apesar dos cinco pontos de margem para a zona de descida, Tomás da Cunha e Rui Malheiro, no podcast da Tribuna, “No Princípio Era a Bola”, comentaram a hipótese de, neste cenário, o Boavista ser um sério candidato à descida.