Futebol internacional

A inesperada viagem de Mendilibar, o “anti-treinador moderno” que tem alergia aos computadores e levou o Olympiacos “para lá do imaginável”

Há 13 meses, o basco não sabia o que era disputar uma partida nas competições europeias, mas foi chamado de emergência para o Sevilha e levou os andaluzes à conquista da Liga Europa. A aversão às novas tecnologias complicou-lhe a vida, mas, no Olympiacos, repetiu a fórmula de 2023, levando a sociedade luso-helénica do Pireu à estreia em finais continentais, na Liga Conferência

Valerio Pennicino - UEFA/Getty

Há novidades que não fascinam José Luis Mendilibar. Quando entra num campo de treinos e vê “tudo cheio de cones, bonecos, pinos, barras, drones e passadeiras elétricas”, torce o nariz, porque “parece que estamos num aeroporto”. Não acha que faça sentido meter os guarda-redes a treinar com bolas de ténis porque “qualquer dia estão a fazer aquilo com bolas de golfe”. E o VAR? “Bar, sim, para beber uma cerveja, do outro não gosto.”

Ao “El País”, em 2018, o basco falava com amargura dos males da modernidade. “Estamos a perder a simplicidade do futebol”, lamentava.

Ex-jogador modesto, caminhante entre as segunda e terceiras divisões espanholas, Mendi chegou à La Liga como técnico. Subiu ao principal campeonato com o Valladolid em 2006/07, conseguindo, de seguida, a manutenção. Prosseguiu a carreira no Osasuna e, em 2015, iniciou um marcante período no banco do Eibar, com seis temporadas no topo da pirâmide do fútbol.

No Osasuna ou no Eibar, José Luis foi a contra-cultura: na Espanha do passe e da posse, de Guardiola e de Xavi, foi a pressão e a agressividade, a força nos duelos, os cruzamentos, o 4-4-2 com atacantes robustos. “Não quero ter a bola por ter. Há treinadores que querem sair a jogar com pernas de pau. Se é preciso chutar para longe, chuta-se para longe”, sentenciou, também ao “El País”.

Foi esta abordagem prática que o Sevilha procurou na primavera de 2023. Viviam-se períodos conturbados nos rojiblancos, que viram Lopetegui sair no começo da época e Jorge Sampaoli não resultar. Com a descida como perigo real, não era tempo para grandes aventuras: “Ligam-me quando as equipas estão mal. Aí, procuro dar confiança aos jogadores. E às vezes sai bem”, disse Mendilibar pouco depois de chegar aos andaluzes.

E correu extremamente bem. Na La Liga, cair para a segunda liga deixou rapidamente de ser uma hipótese. O melhor veio na Liga Europa: Manchester United eliminado, Juventus derrotada, triunfo contra a Roma na final.

Em abril de 2023, Mendi jamais disputara um encontro das competições europeias. Poucas semanas depois, era campeão da Liga Europa. Passados 13 meses, está em nova final.

Contratado para substituir Carlos Carvalhal no Olympiacos em fevereiro, eliminou o Ferencváros no play-off da Liga Conferência, afastou o Maccabi Tel Aviv nos oitavos-de-final, superou o Fenerbahçe nos quartos, impôs-se ao Aston Villa nas meias-finais.

Estará, a 29 de maio, na primeira final europeia da história do Olympiacos, que se disputará quase em casa, em Atenas. A Fiorentina estará do outro lado, enfrentando o espanhol que há 13 meses não sabia o que era um torneio da UEFA e agora superou as seis eliminatórias — mais uma final — que enfrentou.

NurPhoto/Getty

Há pouco tempo, a vida de Mendilibar, agora com 63 anos, não prenunciava nada disto. Pouco depois dos 60, talvez se tenha pensado que, para ele, a vida nos bancos de primeira divisão estava acabada, a viagem concluída.

Em 2021, desceu com o Eibar, terminando no último lugar da La Liga. Na época seguinte, passou pelo banco do Alavés, mas contribiu para uma temporada em que os bascos também concluíram na 20.ª e derradeira posição da tabela.

Sevilha: êxito e computadores

Só que havia quem necessitasse daquela abordagem, quem precisasse do básico. Monchi, o muito conceituado diretor-desportivo, levou-o para o Sevilha quando tudo corria mal. Mas só o queria como penso rápido, dando-lhe um contrato de três meses. Evitar a descida e adeus, terá pensado o dirigente.

Mas Mendi saiu bem melhor do que a encomenda, triunfando na Liga Europa. E o Sevilha foi obrigado a renovar o contrato, apesar de, segundo toda a imprensa espanhola, Monchi achar que Mendilibar não servia para o longo prazo. A razão? O desconhecimento que o técnico tinha de sofisticados métodos de trabalho, dos softwares de análise de jogos, da big data como ferramenta de prospeção de talento. Esta desconsideração terá sido outro motivo para que o triunfo contra o Aston Villa, que agora tem Monchi como diretor-desportivo, tenha sabido tão bem.

Numa conversa com Vicente Del Bosque, gravada para o “El País”, em 2020, José Luis admitiu a alergia ás tecnologias: “Sou o anti-treinador moderno. Não ando de tablets nem gosto de usar computadores. Há quem ache que os computadores vão ganhar jogos e solucionar os problemas. Mas não, o futebol é movimento. Vejo treinadores que reveem os encontros no autocarro, param as imagens, andam para trás e para a frente. Amigo, isso já passou. Posso desenhar uma ideia de jogo, mas há um adversário à frente. Quem decide e tem a iniciativa são os jogadores.”

Não obstante, a permanência em Sevilha não durou muito. Somente com duas vitórias nos primeiros 12 jogos desta temporada, acabou despedido. Mas há males que vêm por bem. “Agradeço ao Sevilha que me tenha despedido, porque, sem isso, não teria chegado aqui.”

O “aqui” é ao Olympiacos.

Quando aterrou na Grécia, Mendi não conhecia nada. Não conhecia a liga, não conhecia a língua. Não fala, sequer, inglês. Jamais orientara uma equipa fora de Espanha.

O processo no Pireu tem algo de déjà vu. Como em Sevilha, chegou para um clube a viver uma temporada conturbada. Tal como há um ano, assinou apenas por alguns meses, até final da temporada. E, da mesma forma como em 2023, foi superando eliminatórias europeias e obrigou o clube a prolongar o seu vínculo.

DIMITRIS KAPANTAIS/Getty

No Karaiskákis, o espanhol já é um ídolo. Antes da segunda mão contra o Aston Villa, o técnico repetiu um ritual que lhe vem dos tempos das divisões inferiores em Espanha, subindo ao relvado antes do aquecimento. Com o estádio já cheio, as bancadas começaram a cantar, em uníssono, o seu nome.

Todo este reconhecimento causa um “pouco de vergonha” num homem que “só quer ajudar os outros a chegarem” onde ele não conseguiu. Na mesma conversa com Del Bosque, Mendi contou o verdadeiro motivo por que quer jogador intensos, agressivos, competitivos: “Eu tinha boa tecnicazinha, boa velocidadezinha, era tudo em inha, eu, mas faltavam-me outras coisas para estar na primeira divisão, outro caráter. A minha grande vontade tem sido dar a esses talentinhos o que me faltou.”

Os dias felizes do Olympiacos português

“Mendilibar levou o Olympiacos para lá do imaginável.” O título de um texto no jornal “Gazzetta.GR” demonstra a veneração que há para com o técnico no Pireu. É somente a segunda vez que uma equipa grega está numa final europeia, depois do Panathinaikos ter sido derrotado pelo Ajax no encontro decisivo da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1971.

As ligações do clube mais titulado do país helénico a Portugal são múltiplas. O dono, Evangelos Marinakis, comprou 80% da SAD que o Rio Ave criou, e o plantel está recheado de futebolistas nacionais ou com ligação à I Liga.

Daniel Podence, com 14 golos e nove assistências, talvez seja o maior destaque, mas os reforços de inverno David Carmo, Chiquinho e André Horta também têm protagonismo. Há ainda Rúben Vezo, João Carvalho, Gelson Martins, Jovane Cabral, Fran Navarro ou Sotiris Alexandropoulos.

Todos vivem o quotidiano do clube do ano no desporto europeu. O Olympiacos já disputou duas finais europeias, vai disputar mais duas e tem a oportunidade de meter-se em outras duas: venceu a Youth League, no futebol, e perdeu a final da Liga dos Campeões de polo aquático feminino; está na decisão da Liga Conferência e da EHF European Cup, de andebol; encontra-se nas final four da Euroliga, de basquetebol, e da Liga dos Campeões de Polo Aquático masculino.

Mas é na bola redonda mais famosa que a história tem contornos mais gulosos. Após selar a presença na segunda final em 13 meses, Mendilibar reconhece que toda esta viagem ainda lhe é estranha, como se a vida não parecesse ter isto reservado para si: “Ainda não estou habituado a estas andanças, depois de tanto tempo a lutar pela manutenção. Tudo me está a chegar no fim da carreira, é bonito.”