A bola caprichou entre os defesas do Palmeiras e ressaltou para as botas de Tiquinho Soares. O artilheiro do Brasileirão recebeu e fez um daqueles malabarismos que os bons futebolistas fazem, anunciando coisas, cumprindo outras. Em posição de vantagem, bateu com a canhota e a bola, ainda desviada pelo guarda-redes Weverton, adormeceu no fundo das redes de uma das balizas do Allianz Parque, a casa do Palmeiras.
Foi o único golo da partida entre Botafogo e Palmeiras, líder e (ex-)vice-líder. Os cariocas entraram bem, mas depois o verdão, campeão nacional, tomou conta do jogo, através da autoridade de Zé Rafael e, lá atrás, Gustavo Gómez. De branco, com a farda que em tempos esteve enfiada em lendas como Garrincha ou Didi, o Botafogo vivia de uma ou outra correria de Júnior Santos e Carlos Eduardo, o médio ofensivo que passou por Estoril Praia e FC Porto.
O golo chegou quando o fogão era pouco ameaçador. Os de verde estavam melhores com bola e na conquista da mesma. Apesar disso, Lucas Perri, talvez o mais vistoso guarda-redes desta edição do Brasileiro, não teve muito trabalho. Gómez chegou a fazer o empate, mas o VAR cancelou a festa.
A seguir ao descanso, a equipa de Luís Castro voltou a entrar atrevida. O treinador português foi o primeiro a mexer e foi logo no intervalo, com as entradas de Danilo Barbosa, que também passou por Portugal, e do projeto de fenómeno Matías Segovia, um canhoto nascido em Caaguazú, no Paraguai, há 20 anos. É um caso sério no drible.
A bola esteve mais tempo nos pés dos rapazes de Abel Ferreira. Os ataques também eram desenhados mais vezes por aquela gente de São Paulo. O Botafogo sofria sem bola, mas nunca se desliga, nunca se perde. É a valência deste grupo, que, sabendo que não pode ser protagonista, agarra-se ao jogo como uma turma de leões.
Assim que entrou José Manuel López, por Richard Rios, destapando o miolo do verdão, o líder do campeonato criou perigo automaticamente. Pode ter sido coincidência, mas faz soar os alarmes perto da baliza de Weverton. A meia hora do fim, pouco depois, Segovia arquitetou um ataque rápido, meteu em Carlos Eduardo e o médio escancarou a baliza do Palmeiras para Victor Sá. O extremo, rapidíssimo como um relâmpago, atirou ao lado e perdeu a chance para abanar definitivamente a alma dos homens da casa. O Botafogo parecia ter afinado as saídas de bola rápidas e venenosas.
O troco não tardou. Artur, um agitador profissional, cruzou com um arco impecável, Rony não chegou, quase traiu Perri, mas o guarda-redes gigante acabou por desviar para canto. Estava a ser um tremendo jogo de futebol em São Paulo, que poderia colocar o Botafogo com mais oito pontos que o rival.
É refrescante testemunhar um jogo que mete dribles e ataques à baliza, sem demasiado calculismo ou, se o há, pelo menos sem as duas equipas abdicarem de tentar ferir o rival. Adryelson, o central do conjunto do Rio de Janeiro, ia bloqueando quase todas as investidas da equipa de Abel, que parecia carecer de clarividência e criatividade na hora de atacar a baliza de Perri. Raphael Veiga, o especial esquerdino, não encantou como habitualmente. Estava desinspirado, tanto que até falhou um penálti, aos 82’. A falta imprudente foi cometida por Leonel di Plácido, o lateral que entrou para o lugar de Rafael.
Tabata, ex-Sporting, já entrara por Dudu, bem contrariado pelo ex-red devil Rafael. Luís Castro trocou Tiquinho Soares por Matheus Nascimento, um rapaz de quem se espera muita coisa.
A saída de Rios parece ter enfraquecido o Palmeiras, ou pelo menos dado mais espaço ao Botafogo para magicar outro tipo de combinações por dentro, mais pacientes e corajosas. Os jogadores de Luís Castro têm apresentado esse jogo tricotado e sedutor, principalmente depois de John Textor e os cartolas terem optado por um sintético de última geração no Nilton Santos, uma novidade que tem maravilhado os jogadores.
O sufoco do campeão no final foi normal. O Palmeiras empurrou o Botafogo para trás, que também aceitou esse papel com agrado, pois quem tem Adryelson e Lucas Perri pode confiar numa competente defesa da área. Tabata ameaçou o empate e estranhamente, quase aos 90’, Abel lançou Endrick, o futuro futebolista do Real Madrid, atualmente com 16 anos. Nesta altura já Gustavo Gómez era ponta de lança.
O marcador não mexeria mais desde que o zlataniano Tiquinho Soares, mais influente na segunda parte, meteu aquele bom golo, tão digno de um 9 que aproveita as migalhas que lhe dão. O Botafogo mantém a liderança do Brasileirão, agora com mais oito pontos do que o Palmeiras. Entre esses dois gigantes está o Grêmio, de Luis Suárez, que goleou o Coritiba e se posiciona na segunda posição, a sete pontos do fogo. Apesar de todas as cautelas necessárias numa liga destas, é caso para dizer: senhores e senhores, o Botafogo é candidato a campeão.