Futebol internacional

Copa América, o torneio-pesadelo de Messi, onde cabem todas as surpresas e até um defesa nascido em Portugal mas que joga pelo Qatar

Arranca de sexta-feira para sábado no Brasil mais uma edição da Copa América, a mais importante prova de seleções da América do Sul, o torneio que tem fugido por entre os dedos a Messi, em que Carlos Queiroz vai tentar levar a Colômbia a um segundo título e que terá como seleções convidadas o Japão e o Qatar

O Chile venceu as duas últimas edições da Copa América, em 2015 e a edição especial do Centenário em 2016. E sempre às custas da Argentina de Messi
Anadolu Agency/Getty

Quer mais futebol de seleções? Aí está ele: arranca já na madrugada de sexta-feira para sábado, à 1h30 de Portugal Continental, a 46.ª edição da Copa América, com um Brasil-Bolívia. Este ano no Brasil, a competição será dividida entre seis estádios de cinco cidades, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. No Grupo A estarão Brasil, Bolívia, Peru e Venezuela. No Grupo B Argentina, Paraguai, Qatar e Colômbia. E no Grupo C Japão, Chile, Equador e Uruguai.

Pela última vez em anos ímpares e como sempre imprevisível, está aqui tudo o que precisa de saber sobre a maior competição de seleções da América Latina, para não passar as próximas semanas no escuro.

Uma competição sui generis

Um continente com especificidades tão grandes só poderia ter uma competição sui generis. Mas a Copa América, entre as suas curvas e contracurvas organizativas, com um ror de formatos diferentes ao longo dos anos e surpresas atrás de surpresas, é também o mais antigo torneio de seleções do Mundo: a primeira edição jogou-se em 1916, na Argentina. Ganharam os uruguaios, que sempre gostaram de ir a casa dos vizinhos provocar o escândalo.

Falar do que mudou ou deixou de mudar ao longo de mais de 100 anos de história não nos deixava espaço para muito mais, assim que aí vai um resumo absolutamente sucinto das últimas décadas: entre 1987 e 2001, a Copa América realizava-se de dois em dois anos; de 2001 a 2007 passou a realizar-se de três em três e a partir daí de quatro em quatro anos, com exceção para a edição de 2016, destinada precisamente a comemorar o centenário da prova. No próximo ano voltará a haver mudanças: a prova volta a realizar-se em 2020 para que passe a coincidir com o Europeu. A partir daí, sempre de quatro em quatro anos e em anos pares.

A Copa América difere de Mundiais, Europeus e quejandos também por não ter uma fase de qualificação, já que a CONMEBOL tem apenas 10 federações associadas. Para compor o bouquet de equipas para 12, desde 1993 que a confederação sul-americana convida equipas de outros continentes, geralmente da América do Norte e Central (mas sobre isso, já lá vamos). Os primeiros convidados foram o México e os Estados Unidos - os mexicanos participaram em todas as edições desde então, com exceção deste ano. Outra das diferenças: desde 1984 que a organização da prova é rotativa, por ordem alfabética. Nessa lógica, a competição deveria realizar-se este ano no Chile, mas o Brasil pediu para trocar a ordem, dada a proximidade com outras grandes competições, como a Taça das Confederações, Mundial e Jogos Olímpicos.

Outro elemento digno de nouvelle cuisine. A primeira fase será constituída por três grupos de quatro equipas. Passam à fase a eliminar os dois primeiros classificados de cada grupo, mais os dois melhores terceiros classificados. Até aqui, tudo mais ou menos normal. Mas na fase a eliminar há algumas nuances. Por exemplo, nos quartos de final, em caso de empate não há lugar a prolongamento, as duas equipas vão diretamente para grandes penalidades. Mas nas meias-finais, jogo do 3.º lugar e final, tudo volta à forma mais habitual: prolongamento e, se necessário, grande penalidades. Va savoir.

Enganem-se também os que pensam que a Copa América é assunto de Brasil e Argentina. Na verdade, a seleção que mais vezes venceu a competição foi o Uruguai, com 15 títulos, o último dos quais em 2011 (e de novo na Argentina…). Só então se seguem a Argentina, com 14 títulos, e o Brasil, com oito. Chile, Peru e Paraguai venceram duas vezes cada e Bolívia e Colômbia têm um título. Dos artistas residentes da Copa América, apenas o Equador e a Venezuela nunca venceram.

Queiroz e o desafio colombiano

Portugal, Emirados Árabes Unidos, África do Sul, Portugal novamente, Irão e, agora, Colômbia. São quatro continentes para Carlos Queiroz, que se vai estrear em grandes competições pela Colômbia precisamente nesta Copa América. E logo frente à Argentina de Lionel Messi, no sábado.

O desafio é imenso: Queiroz terá nas mãos uma geração de ouro do futebol colombiano, com boas caminhadas nos últimos dois Mundiais, mas que nada conseguiu ganhar. A Copa América 2019 poderá ser uma das últimas oportunidades para Radamel Falcão, mas há muito mais talento na equipa: para lá dos consagrados James Rodríguez e Juan Cuadrado, no eixo da defesa estão os jovens Yerry Mina e Davinson Sánchez e na frente o 2.º melhor marcador da Serie A este ano, Duván Zapata. O objetivo não será menos que repetir o triunfo de 2001, o único da Colômbia nesta prova continental.

Queiroz é um de dois treinadores europeus nesta Copa América. O outro é Félix Sanchéz, espanhol que treina a seleção do Qatar.

Qatar? Sim, Qatar.

Qatar e Japão na Copa América? Sim

Já aqui escrevemos que desde 1993 a Copa América conta com equipas convidadas, normalmente duas - a única exceção foi mesmo na edição especial do centenário, em 2016, que teve seis convidados. Por uma questão de proximidade geográfica e cultural, os convites seguem em geral para equipas da confederação vizinha, a CONCACAF, que reúne as seleções da América do Norte, Central e Caraíbas. E se nomes como a Costa Rica, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Panamá e Estados Unidos não destoam aqui, já Qatar e Japão, os felizes contemplados desta edição, hum, nem por isso.

Qatar e Japão são os finalistas da última Taça da Ásia, mas trata-se apenas de uma coincidência. Para o Japão é um regresso à Copa América, já que foi a primeira seleção fora das Américas a participar na prova, em 1999 (não passaram da fase de grupos). Já o convite ao Qatar prende-se principalmente com o facto do próximo Mundial se realizar nesse país do Médio Oriente em 2022. O rumor é que os campeões da Ásia já estão convidados para a edição do próximo ano da Copa América, tal como a Austrália que, a confirmar-se, vai estrear-se na competição. E vai meter a Oceania pela primeira vez nestas andanças (em termos futebolísticos, na verdade, a Austrália está ligada à confederação asiática).

Até hoje nenhuma seleção europeia aceitou participar na Copa América. Em 2011, a Espanha foi convidada, mas declinou, tudo para não estragar as (apertadas) férias dos jogadores.

A edição de 2019 será a primeira sem qualquer convidado da CONCACAF - o México participou sempre desde 1993, mas este ano preferiu dar primazia à Gold Cup, o torneio de seleções da sua confederação.

O incrível caso de Pedro Ró-Ró

Pedro Miguel Carvalho Deus Correia nasceu há 28 anos em Mem Martins. Jogou pelas camadas jovens do Benfica, Estrela da Amadora, Estoril e Farense. E era defesa do Aljustrelense quando surgiu um convite para jogar lá longe, no Qatar.

No país do Médio Oriente, o rapaz que todos conhecem por Ró-Ró começou por jogar no Al Ahli, passando depois para o poderoso Al-Sadd, onde se sagrou campeão este ano, ao lado de Xavi e treinado por Jesualdo Ferreira. E, pelo meio, naturalizou-se qatari.

E eis que chegamos a esta quase impossibilidade: um jogador nascido e criado em Portugal, a jogar pelo Qatar na Copa América. Estranho, mas verídico.

É com o objetivo de começar desde já a preparar o Mundial’2022 que o Qatar participa como convidado na Copa América, isto depois de no início desde ano se ter sagrado campeão da Ásia, para embasbacamento do Mundo. Pedro Ró-Ró estava nessa equipa e estará também no Brasil, onde se estreia domingo, frente ao Paraguai, nada menos do que em pleno Estádio do Maracanã.

Os “portugueses”

Além de Carlos Queiroz e Pedro Correia há outros “portugueses” na Copa América. Ou melhor, jogadores que na última temporada representaram clubes portugueses. No Brasil está Éder Militão, do FC Porto mas de partida para o Real Madrid e outros que por cá se fizeram, como Alex Sandro e Ederson.

Na Venezuela estão convocados Yordan Osorio, do V. Guimarães, e Jhon Murillo, do Tondela. O Sporting tem jogadores convocados na Argentina (Marcus Acuña), Colômbia (Cristian Borja) e no Uruguai (Sebastián Coates).

A espinha atravessada na garganta de Messi

Da Argentina esperamos sempre equipas hipertalentosas, candidatas a tudo e mais alguma coisa. Mas a verdade é que desde a Copa América de 1993 que a alviceleste nada ganha. O mesmo quer dizer que desde que Lionel Messi é o rei incontestado da sua seleção que o seu talento não é transformado em títulos.

E já esteve perto. Por quatro vezes. Em 2007, na Venezuela, uma Argentina de primeira linha, com Zanetti, Ayala, Mascherano, Verón, Riquelme, Tevez e, claro está, Messi, foi arrasada na final por 3-0 por um Brasil de recurso. Em 2014 perdeu a final do Mundial, frente à Alemanha. E em 2015 e 2016 perdeu duas finais da Copa América a papel químico: depois de 120 minutos sem golos, nas grandes penalidades, em ambas as ocasiões o Chile foi mais forte.

Messi e Copa América: uma história de desencontros
Ira L. Black - Corbis/Getty

Foram três anos de derrotas demasiado duras para Lionel Messi, que no final da Copa América do centenário, em 2016, anunciou mesmo que nunca mais jogaria pela sua seleção. “Para mim a seleção nacional acabou. Fiz tudo o que podia, dói não ser campeão. Lutei muito, tentei, são quatro finais e não consegui ganhar. É evidente que isto não é para mim. Chega. Desejava mais do que ninguém um título com a seleção mas infelizmente não aconteceu ”, desabafou então, depois de nova derrota frente ao Chile.

Mas quem nunca disse algo a quente, no calor do momento, e depois se arrependeu? Pois. Nem dois meses depois, já Messi anunciava que estava de regresso “por amor ao país” e voltou a uma grande competição no Mundial 2018, onde caiu cedo, nos oitavos de final.

Agora, no Brasil, há nova oportunidade para Lionel Messi para ganhar algo pela sua seleção, agora treinada por outro Lionel, Scaloni. Mas o torneio nunca foi simpático para os maiores: nem Pelé nem Maradona conseguiram ganhar a Copa América.

A estreia da Argentina é no sábado, frente à Colômbia de Queiroz. E sem Neymar, que se lesionou e está fora das opções no Brasil, todos os olhares estarão novamente em cima de Messi.