Euro 2016

Carta aberta a Cristiano e a Fernando

Miguel Cadete, Diretor Adjunto do Expresso, foi a Paris ver o jogo Portugal-Áustria e de lá voltou com a impressão de que há coisas que podiam estar bem melhores

FRANCISCO LEONG

Caríssimos,

Façam o favor de se entender. Um a dirigir a equipa e o outro a capitaneá-la. É assim que está bem e assim que deve ser. Claro que os resultados não dependem só de vós. Mas são vocês os dois mais importantes desta equipa de todos nós e, assim sendo, um deve ser capitão e o outro treinador.

Um só deve marcar os livres e penáltis quando se sente bem e quando não há ninguém em melhores condições para o fazer. O outro deve ajudar nessa escolha que, em última análise, é da sua responsabilidade.

Cristiano, bem sei que consideras levar a equipa às costas – que digo? – é um país todo que por vezes parece estar sobre os teus ombros. Mas há ocasiões em que os outros podem ajudar. Um capitão tem de perceber, sentir e saber isso mesmo. Não duvido que vais escolher sempre pelo melhor.

Fernando, ajuda o Cristiano a tomar estas decisões. E nunca caias na tentação de te esconderes atrás do melhor jogador do mundo. Com ele lá à frente, muitas vezes sozinho, teremos certamente o melhor ponta de lança. Mas por vezes não funciona, sobretudo quando não há ninguém para transportar a bola. Claro que isto é muito mais fácil para quem ontem estava sentado algures no bloco 308, fila 7, lugar 18 do Parque dos Príncipes.

Não é fácil montar uma equipa que está a atacar durante 90 minutos mas que, na verdade, não leva o jogo para a linha da frente ou continua a insistir em cruzamentos que não dão em nada contra estas equipas de matulões. Quem está lá na frente, e isto é pura física, engenheiro, não pode estar ao mesmo tempo cá atrás. E com todos no meio campo, é impossível levar o adversário às cordas e, finalmente, marcar o golo.

Claro que também não os podemos sofrer. Mas se temos superioridade sobre o adversário temos que a demonstrar e agir como tal. Isto tem o seu quê de ingrato, mas não basta “massacrar” com o Cristiano, o Quaresma e o Nani. Alguém tem que levar o jogo lá para a frente.

Agora que gastámos os últimos cartuchos, dê lá por onde der, é preciso ganhar o próximo jogo. Seria uma desgraça não o conseguirmos. Num grupo de que também fazem parte a Islândia, a Áustria e a Hungria, ninguém pode colocar a hipótese de não nos qualificarmos ou de sair da fase de grupos sem uma única vitória.

Não podemos deixar que o nosso futebol seja vulgarizado por equipas de países com 320 mil habitantes ou que estão lá mais para baixo no ranking da FIFA. Que será quando chegarem a Espanha, a Alemanha, a Bélgica ou a França. Se é que chegam. Repito-me, Cristiano não tem pinta de mártir, mas ainda pode ser o nosso Messias.

Fernando, desde o Estoril-Praia e, claro, no FC Porto, Sporting e Benfica, nas equipas da Grécia e na própria seleção grega, fizeste valer um certo conservadorismo, mas isso não deve impedir que jogadores com menos de 30 anos possam jogar em lugares que, nesta equipa, são lugares-chave.

Cristiano, ontem, em Paris, ouviu-se provavelmente a aclamação mais explosiva, vinda de uma mistura de portugueses que são emigrantes que tiveram que partir por não ter posses e os que têm posses para ir a França. Conheces os dois lados dessa moeda. Em Lyon, na quarta-feira, podes fazer com que isto tudo que aqui está escrito seja uma estupidez? Eu, lá estarei.

Sempre vosso,
Miguel Cadete