Exclusivo

Crónica

Chutar com a alma mais ao pé

Sobre o dinamarquês Hjulmand e os golos (validados ou não) que o médio do Sporting marcou do meio da rua, Bruno Vieira Amaral lembra que, no futebol, o golo de longe inspira, é um grito de revolta, um tónico nos momentos de descrença

PEDRO NUNES/Reuters

No futebol puro da minha infância havia um miúdo de talento rudimentar que ascendia ao estatuto de herói sempre que rematava, sem jeito nem preparação, com uma tal potência que, quem o visse, o diria filho de um Hércules ou de um Sansão. O seu pontapé era uma arma de destruição maciça e o desgraçado guarda-redes que ousasse atravessar no caminho da bola as mãos habitualmente desenluvadas corria o sério risco de ficar com as ditas a escaldar, quando não com uma fratura exposta.

A bomba, a bojarda, a “buja”, o tiro do meio da rua, chamem-lhe o que quiserem, quase desapareceu do futebol moderno. Não desapareceu por completo. De vez em quando, um qualquer rebelde resolve ignorar os mandamentos do jogo associativo, fecha os olhos e remata cheio de confiança perante a incredulidade do treinador que, do banco, lhe pede para circular a bola, variar o flanco, etc. Mas já quase ninguém o faz por sistema. A bomba é o último recurso, quando já não há outra saída e o desespero toma conta dos espíritos. E não devia ser assim.