No futebol puro da minha infância havia um miúdo de talento rudimentar que ascendia ao estatuto de herói sempre que rematava, sem jeito nem preparação, com uma tal potência que, quem o visse, o diria filho de um Hércules ou de um Sansão. O seu pontapé era uma arma de destruição maciça e o desgraçado guarda-redes que ousasse atravessar no caminho da bola as mãos habitualmente desenluvadas corria o sério risco de ficar com as ditas a escaldar, quando não com uma fratura exposta.
A bomba, a bojarda, a “buja”, o tiro do meio da rua, chamem-lhe o que quiserem, quase desapareceu do futebol moderno. Não desapareceu por completo. De vez em quando, um qualquer rebelde resolve ignorar os mandamentos do jogo associativo, fecha os olhos e remata cheio de confiança perante a incredulidade do treinador que, do banco, lhe pede para circular a bola, variar o flanco, etc. Mas já quase ninguém o faz por sistema. A bomba é o último recurso, quando já não há outra saída e o desespero toma conta dos espíritos. E não devia ser assim.