Jeremiah St.Juste saberá melhor do que seja qual for o corpo que equipe às riscas verdes e brancas que a paciência é uma virtude, independentemente da freguesia da vida, então se for num hectare de relva e só uma bola disponível para vinte e dois tipos que a desejam, domar a arte de ser paciente, além de tramado, é uma necessidade como água para a boca em dia de verão no Saara nas circunstâncias. Dotado de rapidez invulgar, capaz de acelerar a mil à hora, um beep-beep futebolístico, o mal do neerlandês é o reverso da moeda do físico que o torna valioso para o Sporting, mas quando está bem de saúde - que é raro, e o berbicacho é esse.
Em época e meia e mais uns salpicos, o rapidíssimo St. Juste esteve parado 358 dias no suplício de músculos rasgados, pequenas mazelas ou pancadas sofridas, quase um rodar o moinho do azar e esperar que arrelia seria a próxima a afetar um defesa central de aptidões reconhecidas e esqueleto de cristal. O domador da paciência teria de ser este defesa central que já falhou 44 jogos pelo Sporting e o futebol ensinou a arte de fazer as pazes com a espera, e ele esperou, aguardou a pentear a bola com a sola da chuteira uma vez, outra e mais uma no meio-campo do Farense, entrado em Alvalade a conceder todas as veleidades aos leões e a remeter-se à proteção da sua área. Com tanta gente recolhida num bloco baixo, o Sporting teria de ter paciência.
Foi a do neerlandês, a mastigar a bola e a correr com ela por dentro da metade adversária, que forçou alguém a sair-lhe ao caminho, provocando o isco necessário à desmontagem de quem monta muralhas lá atrás. Quando St. Juste desengatou a jogada, as trocas posicionais e os passes curtos do móvel jogo interior do Sporting deixara Esgaio a cruzar rasteiro, o defesa Pastor a aliviar a bola como se fosse um passe para os pés de Daniel Bragança e o hoje capitão do Sporting, lisonjeado pela oferta, a bater com força no golo que ainda tocou na barra. Havia 11 minutos no relógio e a paciência do central neerlandês mostrava o caminho: era preciso provocar o Farense para mover as suas peças.
Mexido o primeiro granulado de neve, a equipa de Rúben Amorim apressou-se a deixar fluir os movimentos oleados que vem engatando nesta fase da época que nem uma avalanche. Pedro Gonçalves e Daniel Bragança massacraram o espaço entre o defesa central direito e o ala dos algarvios, o tesouro estava nos pequenos novelos de passe daquele lado do campo até alguém atacar as costas dos adversários, por ali se criaram remates de Pote, de Marcus Edwards e o segundo golo, uma marosca do outrora médio virado goleador que se desmarcou para depois apontar um dócil cruzamento à frente de Gonçalo Silva, onde Viktor Gyökeres surgiu inopinadamente e desviou a bola com classe. Aquando do 2-0 sneaky do sueco havia 29 minutos, parecia o início de uma fartura de golos.
Porque o Sporting já tivera o paciente St. Juste a cabecear um remate à barra, num canto, a testa do mesmo a ameaçar de novo noutro canto o desajeitado Talys, virado à própria baliza, a desviar contra a barra a bola a que o guarda-redes Ricardo Velho dera uma palmada. As tabelas do Sporting com Pote e Edwards pelo miolo do ataque sucediam-se, Bragança era a formiguinha a dar a terceira opção de passe em todo o lado e a linha defensiva de cinco, por vezes seis homens, do Farense era também abanada pelo cavalo de corrida que é Gyökeres. Mas, numa saída de bola mais longe, em que Pote tentou tocar de primeira em Hjulmand, que vinha de frente, o Sporting errou.
Pressionado pela postura mais solta do Farense, o passe mal medido foi rapidamente aproveitado pelo capitão Fabrício Isidoro: passe rasteiro para Zé Luís, que fez de rececionista da bola e a deixou a jeito do pé esquerdo de Mohamed Belloumi, o atrevido argelino que embalara da direita para o centro. O espetacular remate de primeira fez Franco Israel voar em vão enquanto a bola se engavetou no ângulo superior da baliza. O golaço despertou o Farense, não mais a confiar na fórmula de paciência admitida pelo sábio José Mota antes do jogo, quiseram os algarvios tentar roubar bolas na metade do campo do Sporting, atreveram-se nas posses de bola e tiveram alguns cruzamentos a provar que a intenção já não se cingia a esperarem por abertas que permitissem transições rápidas.
Essa atitude desaguou para a segunda parte, sem cerimónias, a transbordar.
Quando o Farense logrou aproximar-se da área chegou lá de rompante, lançando vários jogadores, cheio do ímpeto canalizado no bruto remate de Zé Luís contra a barra que desnorteou o Sporting por momentos. Na bola que pingou, St. Just saltou com os braços abertos, fez falta à beira da área e Elves Baldé, no livre, curvou um remate deitou Franco Israel na relva a que Nuno Santos ficou pregado: nas suas costas esgueirou-se Cláudio Falcão, que obrigou o guarda-redes uruguaio a reagir rápido para lhe negar a recarga. Só que, no canto, o seu esforço acabou em vão quando Zé Luís saltou sem incómodos para empatar o jogo.
O súbito reboliço tramava o Sporting, mas, quase em igual imediatez, os leões reagiram para devolverem a gentileza na pior das alturas do ponto de vista de quem acaba de lutar para igualar um resultado. Três minutos depois, a equipa de Rúben Amorim mostrou trabalho de treino em campo de jogo quando antes de a bola entrar em Daniel Bragança, ao centro, Esgaio arrancou numa diagonal da direita ao meio, ameaçando a linha defensiva e vagando espaço para Edwards, que continuo aberto e recebeu o passe longo do médio. De pronto, o frenético ala reaproximou-se do inglês, outra diagonal, foi servido e serviu Pote com um cruzamento rasteiro.
De uma assentada Rúben Amorim mexeu, saíram Hjulmand, Matheus Reis e Pedro Gonçalves na gestão necessário dos esforços e com Morita, Quaresma e Trincão já se viu o Sporting como em bastantes partidas desta época, a baixar linhas quando era para defender. Alterada a postura, dada alguma iniciativa ao Farense - os seus centrais não eram importunados quando tinham a bola -, os leões acalmaram o jogo apesar da sensação de o dominarem minguar substancialmente. Não lhe tinham a mão pelo controlo de bola, mas antes no arregimentar de jogadores para controlar os espaços que dava no seu meio-campo.
Sem ter tantas jogadas na metade do Farense, recuperando a posse mais vezes no seu próprio meio-campo, era previsível que o Sporting se vetasse ao esperado, despreocupado por mais que não houvesse um par de olhos no estádio que não soubesse ao que a equipa ia - recuperada a bola, era lançar Gyökeres, a ‘besta’ que sozinha consegue livrar-se do facto de os adversários já saberem que os primeiros passes serão para colocar o sueco a correr no espaço. Os leões abusaram das suas diagonais e sprints enquanto o Farense, apesar de ter mais jogadores na frente, não encontrar vias para a baliza.
Tentando, com o tempo, consignar-se a alguma parcimónia para não espremer em demasia a energia do homem que Rúben Amorim vai dizendo que dispensa de grandes descansos, o Sporting magicou a melhor ocasião de uma bola recuperada por Bragança em que Paulinho, depois, só viu baliza, não vendo na área o tanque Gyökeres, matulão que joga com ligaduras abaixo dos joelhos e à volta dos gémeos, vistas pelos buracos cortados nas meias, especificidades de um jogador singular que acabou o jogo a berrar sabe-se lá com quem mal o árbitro apitou para o fim. Do sueco sairão quase sempre jogadas quase exclusivas do seu esforço, mas, tendo-o, talvez nem sempre seja o melhor para o Sporting recuar o seu bloco e deixar o adversário ter alguma iniciativa.
Nesta série infernal de jogos a cada três dias até à primavera, o Sporting venceu numa das ocasiões em que mais tinha de o fazer. Rúben Amorim queria que “todos” fossem “jantar descansadinhos” depois do Farense e “esperar pelo que tiver de acontecer” a norte, no clássico marcado para o Dragão. Ganhando o seu jogo, algum proveito irá agora colher.