Crónica de Jogo

A deusa enganou o Sporting na primeira parte e resistiu à reação de Edwards e Catamo na segunda

A Atalanta venceu em Alvalade por 2-1, num encontro que mostrou duas faces: inicialmente os italianos evidenciaram o seu futebol cheio de rotinas e qualidade, chegando ao 2-0 e levando o público a assobiar os leões; após o intervalo as mexidas de Amorim deram nova vida ao Sporting, que reduziu a diferença e roçou o empate, que não chegou

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Um final de tarde de quinta-feira, em dia da República, pode ser um carrossel de emoções, uma viagem entre a sensação de andar a perseguir sombras, de ser incapaz de lidar com o jogo do adversário, e a ideia de que uma reação forte e de personalidade ficou à beira de transformar o pesadelo da primeira parte num consolo na segunda. A resposta esbarrou no poste, protagonizada por Edwards e Catamo, os agitadores que mudaram a face verde e branca.

Ter do outro lado a Atalanta é assistir ao resultado de um processo de muitos anos. O tal projeto, tantas vezes falado e tão poucas vezes aplicado. Quando Gasperini chegou a Bergamo, em 2016/17, o clube não tinha terminado nenhuma das cinco épocas anteriores acima da 11.ª posição da Serie A. Com o veterano técnico no banco, ficou sempre entre os oito melhores do campeonato, tendo sido terceira em 2018/19, 2019/20, e 2020/21.

Já não há Papu Gómez ou Josip Iličić mas, mudando os nomes enquanto se mantém a essência, há Lookman e Charles De Ketelaere. A colar tudo estão os movimentos coordenados, a ousadia e os tweets cheios de humor de Marten de Roon, o jogador-humorista de redes sociais que se tornou capitão.

No choque com a Atalanta, a derrota por 2-1, a primeira da época do Sporting, justifica-se pelas muitas dificuldades iniciais, um esbarrar contra uma realidade que os leões, pura e simplesmente, não entenderam. A mudança de face na etapa complementar não chegou para salvar a tarde de 5 de outubro.

Rúben Amorim avisara do difícil que é defrontar a Atalanta, pela complexidade tática, a dinâmica, o caos organizado. A dea, a deusa, o clube cujo nome se deve a uma heroína da mitologia grega, é um dos projetos mais sólidos dos últimos anos do futebol europeu, uma máquina de rotinas e processos consolidados que transformou a equipa de Bergamo de conjunto de meio da tabela para habitante dos lugares cimeiros da Serie A.

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A primeira parte trouxe a Alvalade uma exibição do melhor que a Gaspe team possui. Circulação fluida, variabilidade de movimentos e de soluções, futebol plástico, maleável, como se fosse feito de plasticina, sempre pronto a assumir novas formas e soluções. Logo aos 4’, Lookman, que voou no centro-esquerda, deu o primeiro sinal de perigo.

Na estreia de Fresneda a titular, o Sporting começou a apostar no jogo direto, com Paulinho ou Gyökeres como referências. Os leões não conseguiam criar em ataque posicional e, nas poucas vezes em que ameaçaram em transições, Pote esteve errático no passe.

A equipa da casa assistia à circulação dos visitantes, incapaz de contrariar a velocidade italiana. Sem surpresa, o 1-0 chegou aos 33’. Num lance que quase pareceu de andebol, com uma equipa a levar a bola de um lado para o oposto enquanto outra defendia recuada, Koopmeiners encontrou Zappacosta, que ofereceu o golo a Scalvini.

Alvalade constatava as dificuldades da sua equipa, que somava perdas de bola e via a dea acumular remates, chegando ao descanso com 12 tiros, contra apenas um dos verde e brancos. Entre os assobios das bancadas, Lookman roçou o 2-0, que chegaria aos 43’. Tal como no primeiro golo, um ala partiu da linha para dentro, sendo desta feita o dono do lado esquerdo a fazê-lo. Adán defendeu o primeiro remate de Ruggeri, mas não impediu a recarga.

Matteo Ruggeri atira para o 2-0
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O intervalo chegava com uma péssima imagem do Sporting e, consciente disso, Rúben Amorim interveio no descanso. Entraram Coates, Catamo e Edwards e saíram Nuno Santos, Hjulmand e Paulinho, mudando em todos os setores: atrás, o uruguaio juntava-se a Diomane e Inácio, Pote baixou para fazer companhia e Morita no meio-campo e o ataque ficou com o moçambicano, o inglês e Gyökeres. Logo aos 52’, chegou a primeira oportunidade da partida para os locais, com Inácio a cabecear ao lado em excelente posição, após cruzamento de Edwards.

Com as substituições, os locais melhoraram. A Atalanta perdeu frescura física, o Sporting ganhou tranquilidade na circulação de bola, com Inácio e Morita empurrando a equipa para a frente. Com Edwards e Catamo, passou a haver agilidade e poder de finta, capacidade para sair das marcações individuais que Gasperini propõe.

Além da subida do nível de jogo, o Sporting ganhou entusiasmo. As bancadas agitaram-se, ganhando ainda mais crença a partir dos 76'. Gyökeres, de penálti após mão de Scalvini, reduziu. São já sete golos em oito desafios do sueco na época.

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A equipa portuguesa, galvanizada, era o oposto do primeiro tempo. Lançava-se na frente nas asas de Edwards e Catamo, os agitadores que furaram as rotinas defensivas da Atalanta, fintando, quebrando, uma promessa de perigo. Ambos, logo a seguir ao 2-1, estiveram muito perto da igualdade.

Primeiro foi o moçambicano que isolou o inglês, que esbarrou em Musso quando tinha só o argentino pela frente. Depois, Marcus solicitou Geny, que atirou com estrondo ao poste. Aquele minuto foi, simultaneamente, o símbolo da reação do Sporting, liderada por quem ajudou a transformar o coletivo para a segunda parte, e a evidência de que essa resposta esbarrou no quase, uma quase reviravolta, um quase empate.

Nos minutos finais, a Atalanta apostou em esconder a bola, protegendo-a como um tesouro que dava os três pontos aos italianos. Arrefeceu os ânimos e até viu Scamacca forçar Adán a boa defesa, já nos descontos, quando o Sporting lutava e lutava sem, no entanto, obter qualquer prémio em forma de obtenção de pontos. A derrota contra a deusa, um adversário com uma complexidade tática do maior que há na Europa, deixa Rúben Amorim a ter de procurar soluções para o futuro próximo.