Foi como se Portugal tivesse jogado contra um multiplicador de equívocos alheios. Um pequeno erro da seleção nacional, um grande aproveitamento da Suécia; uma hesitação defensiva portuguesa, um golo sueco; um ataque mal preparado, um golo sueco; qualquer ação que não fosse muito bem realizada, golo sueco.
É assim a vida na elite do andebol, nesse espaço reservado ao qual Portugal, por mérito próprio, acedeu. Mas, nos cumes da modalidade, é demasiado fácil que a oposição de alto nível te faça sentir impotente, incapaz, te leve a lamentar a menor hesitação.
Primeiro, a Suécia complica a vida do adversário através do que aqueles corpos altos e fortes fazem. Depois, entra na mente dos opositores, fazendo-os pensar que só a perfeição lhes dará chances de êxito. E, perante essa pressão, errar torna-se mais fácil. E, já sabemos: um erro, golo sueco.
Foi frente a este conjunto de predadores que cheiram o sangue e não hesitam que Portugal perdeu, em novo encontro da fase principal do Europeu. Por 40-33, os nórdicos impuseram-se com naturalidade, como se fosse essa a ordem cósmica natural das coisas.
Apesar da derrota, os objetivos com que a seleção chegou à Alemanha mantêm-se intactos. Terminar em quinto, superando a melhor classificação de sempre — o sexto de 2020 —, está ao alcance, como possível é a ida ao pré-olímpico, ao torneio que dará vagas para estar em Paris, na que seria a segunda participação seguida nos Jogos. Terça-feira (14h30, RTP2), fecha-se esta main round contra os Países Baixos.
A autoridade da Suécia entrou no terreno de jogo a par dos poderosos jogadores que vestem as camisolas da equipa nórdica. Campeã da Europa em título, a seleção sueca é uma espécie de constelação de estrelas do andebol, um exército robusto, bem treinado e coordenado, pronto para maximizar qualquer hesitação que surja do outro lado.
Com Lucas Pellas em destaque no arranque (terminaria com 10 golos), a Suécia começou na frente, atingindo, várias vezes, dois golos de vantagem. No entanto, a resistência portuguesa à superioridade rival começou a ser liderada por Capdeville, capaz de defender cinco dos 11 primeiros tiros que enfrentou. No total, travaria sete de 27 disparos, eficácia maior que a de Rêma que, no segundo tempo, defendeu três de 22.
Naquela etapa inicial, estava na baliza o começo do subir de nível nacional, que encontrou correspondência na melhor versão de Kiko Costa neste Europeu. Com a precisão da sua canhota, marcou em cinco dos seus primeiros seis remates, apontando o 10-10 com uma obra-prima, uma rosca que fez a bola viajar da Alemanha até ao sul da Europa, voltando a encaminhar-se para norte para terminar no fundo da baliza em Hamburgo.
Salvador Salvador manteve-se como o bravo defesa que tem sido ao longo da competição, mas faltava o símbolo maior da pujante juventude de Portugal neste torneio. No primeiro tempo, Martim Costa esteve muito tempo no banco, provavelmente por gestão física. Sem o seu bombardeiro, a seleção não conseguiu atingir o nível ofensivo necessário para ombrear com os suecos.
Subitamente, num ápice, o marcador passou de mostrar uma vantagem portuguesa (14-13) para, com um parcial de 6-1 antes do intervalo, ir para o descanso com 19-15. À mínima ocasião em que a equipa de Paulo Jorge Pereira desceu de rendimento, os suecos castigaram essa quebra.
O segundo tempo até começou de forma promissor. Martim Costa apareceu de rompante, com dois golos e uma assistência para Frade nas três primeiras posses de bola nacionais, reduzindo a margem para um golo. Havia esperança, mas, lá está, logo depois vieram os minutos dos predadores.
Portugal reduziu o nível ofensivo e a Suécia aproveitou. De um golo de diferença passou-se para quatro e daí para seis. Na pior fase nacional no encontro, houve sete ataques seguidos para marcar, sete oportunidade que, do outro lado, não foram desperdiçadas. Desafio sentenciado, andando o resto do tempo entre os quatro e os sete golos de diferença a favor dos campeões em título.
Na segunda parte, Martim Costa ainda mostrou a absurda facilidade que tem em marcar, uma máquina de arrancar, evitar adversários e rematar com êxito. Somou oito golos — é o melhor marcador do Euro, com 46 — e a grande questão que se coloca é qual teria sido o desfecho caso tivesse estado em campo mais tempo.
Depois de ser batida pela Dinamarca, Portugal perde com a Suécia, caindo de pé frente a dois gigantes do andebol. Mas conseguir o melhor resultado de sempre e passar o verão em Paris continua ao alcance.