A natureza espera por vivalma, muito menos na sua forma marítima que facilmente vira rabugenta. As previsões não auguravam coisa boa, mesmo que a World Surf League (WSL) tenha aplicado um disfarce no e-mail enviado na véspera: “uma sucessão de grandes ondulações e ventos fortes, além de variáveis, ao longo da janela de 11 dias do MEO Rip Curl Pro Portugal.” Era a organização a experimentar o eufemismo, porque em bom português o que aí vem é uma tempestade valente e antes de o dia inicial da competição sentir os seus prenúncios houve um português a ter de aguardar mais do que os outros para entrar no mar.
Foi o que provoca o maior frenesim na praia. Frederico Morais aparece e os assobios em tom de alegria repetem-se; desce as escadas, corre areia dentro e ouvem-se aplausos; ele apanha uma onda lá ao fundo, ergue-se na prancha com o pé esquerdo à frente, a deslizar para a esquerda e dilacera duas vezes a parede de água. Compete contra Yago Dora e Liam O’Brien, brasileiro e australiano que nada podem contra o português quando o oceano não se anima com a sua presença. É, de longe, a pior altura do dia para se surfar, o vento soprava com afinco contra o areal e fechava os tubos que ainda se viram pela manhã.
A manifestação de mar em que ‘Kikas’ deixa duas rasgadas de backside (quando o surfista está de costas para a onda) arranca uma tímida apoteose dos poucos presentes na praia. Era isso que o surfista, de 32 anos, tinha em mente. Não necessariamente o bruá ouvido, mas o tipo de onda. “Mesmo antes do heat falava com o Richard [Marsh, o seu treinador] e dizia-lhe que precisava de uma onda mais limpa, com duas manobras fortes, sabia que isso me ia dar a pontuação que queria”, explicou o português já em terra firme.
A dita onda valeu 7.17 pontos (só a sexta do dia que superou a barreira dos sete pontos), uma avaliação que chegou antes de se contar metade do tempo da bateria e que o deixou mais à-vontade para colocar em ação o modo ‘Kikas’ tanto visto na forma de abordar as baterias. O parcimonioso Frederico que privilegia qualidade sobre quantidade, a querer poucas ondas, mas boas, ao invés de tentar ir a todas, apanhou quatro contra as sete de Yago Dora e as oito de Liam O’Brien. “Encontrei o meu ritmo e depois foi um bocado gerir a bateria”, como ele gosta. Acabou no 1.º lugar e seguro da passagem à terceira ronda, sem ter de sair no apeadeiro da elimination round que “está com nomes sonantes”. O tricampeão mundial Gabriel Medina, o medalha olímpico Kanoa Igarashi ou Griffin Colapinto, vencedor em Peniche há dois anos, são alguns deles.
O sorteio empurrou Frederico Morais para a última bateria do primeiro dia, quando se viam as piores ondas do dia, mas a sua prevalência nas difíceis condições dá-lhe um alento que confessou estar à procura. “Passar à próxima ronda já é tirar algum peso de cima”, admite quem nunca esconde que prospera com o carinho que sente ser-lhe dedicada da areia: “Sabe bem ganhar em casa com boas notas, sinto-me bem. Não há nada mais especial do que competir em casa, ter aqui toda a gente, a família, os amigos e a mulher. Espero que assim continue, adoro competir em casa.”
“Agora”, continuou, “é esperar, treinar e preparar a próxima ronda”. Que a paciência esteja com Frederico Morais, pois a espera será parte fulcral nessa equação pelo vento, a ondulação e as direções de ambos que as boias perdidas no meio do oceano captam e dizem estar a caminho da costa oeste portuguesa. Com ‘Kikas’, atual 17.º classificado do ranking mundial, já no retiro do balneário, a WSL anunciou que na quinta-feira não haverá prova e o mais agreste virá depois - a confiar nas previsões atuais, a natureza vai estar particularmente zangada na sexta-feira, no sábado e no domingo, e talvez só segunda-feira conceda a Peniche uma benesse de ondas surfáveis.