Tribuna Eventos - Mundial 2022

O jogo do “lugar do idiota”

Eden Hazard franze a testa, tem uma mão na cintura e esse braço dobrado, o outro estendido sem ordens. Atrás dele, Thomas Meunier rói a unha do polegar enquanto olha na direção oposta. Youri Tielemans debruça-se, apoiando-se sobre a placa horizontal atrás da qual os jogadores se encavalitam no seu ar grupal de tédio. Numa das pontas, Kevin de Bruyne coça a sua parca barba ao olhar para o lado oposto. A pontuar a alcateia está o enfado de Thibaut Courtois, o guarda-redes e o mais alto, com cara de quem se alheou por completo do exterior que o rodeia.

O retrato a que me refiro é este:

Alexander Hassenstein/Getty

Entre a ilusão e o engano há uma vizinhança sem paredes, a fotografia serve muitas vezes de empreiteira que as confunde e estes jogadores belgas, captados após ganharem à Inglaterra, em 2018, parecem combalidos, contrariados até, apesar das medalhas ao pescoço. Os penduricalhos de bronze são a pista do que éne outras fotos do jogo em questão mostram fielmente: Hazard a rir-se, Meunier com os dentes ocupados só a sorrir, Tielemans alegre a receber a sua medalha, De Bruyne feliz da vida, Courtois a olhar para a câmara com uma versão sua risível. “3rd place”, lia-se no placard que seguravam para as objetivas. Eram os terceiros classificados do Mundial.

Acabar o rei dos torneios a fechar o pódio é melhor do que ser eliminado enquanto segunda pior seleção do respetivo grupo, é um facto, a subjetividade não opina se a perspetiva for esta. Mas o que muita gente advoga há muito tempo é o virar da agulha - se uma seleção está no jogo para ver quem fica com o 3.º e o 4.º lugar, é devido à desfeita de não ter saído pelo bombordo da meia-final do Campeonato do Mundo. Porque perdeu no salto do derradeiro obstáculo e a consolação é pedirem-lhe que, já agora, tente pular por cima de outro, só para ver se é capaz.

Posso ser eu o enferrujado mental, mas, de repente e sem o auxílio do Sherlock Google, não me recordo de um memorável e espetacular encontro para decidir que seleções terminariam um Mundial nessas posições. A culpa pode ser da seletividade da memória, tendemos a reter mais aquilo que estimamos e apesar de contar para o maior dos torneios do futebol, a partida sofre com o facto de ser um púlpito para os últimos entre os perdedores, mesmo que numericamente haja, de novo, um argumento a favor do jogo: ao fim de 206 seleções que entraram no ciclo mundialesco, desde a qualificação, eis ali a terceira e quarta melhores. Portanto, o valor do jogo é inegável.

De resto, é um meh sensaborão, uma insonsa obrigação imposta pela FIFA desde 1954 para ser a única grande competição futebolística, a par dos Jogos Olímpicos onde as medalhas são realmente o propósito maior e há um pódio por preencher, a forçar uma partida destas - nem Liga dos Campeões ou da Europa o fazem, tão pouco a Copa dos Libertadores, a Copa América também não. À FIFA interessa, claro, ter mais um jogo para incluir na mistela dos pacotes televisivos que vende e lhe reverte milhões de euros nesta sua principal fonte de rendimento que sempre tenta fazer engordar. Ainda se lembram da ideia de um Mundial a cada dois anos? Repararam no quão rápido mudam os painéis publicitários que rodearam os relvados no Catar? Tiveram presente, neste mês, de como a prova foi parar ao Catar? E não se esqueçam que, em 2026, o torneio terá 48 seleções.

Para a surpreendente epopeia dos marroquinos, um terceiro lugar será um pontuar condizente da façanha, como o foi para os turcos, em 2002, e os suecos, em 1994. Para os croatas, depois do segundo lugar de há quatro anos, será um downgrade de posição, mas nunca de mérito. Para Walid Regragui, o selecionador de Marrocos a quem este jogo não cai bem no goto, todos vão estão a jogar “no lugar do idiota”.

Histórias do dia

Jogo do dia

Croácia - Marrocos (15h, RTP1)

A foto

Aos humanos continua a faltar, claramente, algo em que pensar e a cada Mundial lá surge uma crença coletiva de que um animal é que sabe quem vai ganhar um jogo de futebol. Pelos vistos, agora confia-se nos poderes videntes dos macacos.
Anadolu Agency

Estamos quase a fechar estas cartas digitais diárias do Mundial. Obrigado por ficar por aí desse lado, porque amanhã haverá o mais apetecível dos jogos e, até lá, teremos ainda vários textos para lhe mostrar no site da Tribuna.

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